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JORNAL
Edição 49 - Teatro na Escola
11/01/2011
 
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Francis Wilker: com o teatro, os estudantes descobrem que podem ir além do que pensavam ser capazes

Criar uma peça pode ser um laboratório muito rico de aprendizagem pessoal, relacional, cognitiva, produtiva.

Criar uma peça pode ser um laboratório muito rico de aprendizagem pessoal, relacional, cognitiva, produtiva.

Autor: Arquivo pessoal


Professor da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, onde também cursa pós-graduação em direção teatral, Francis Wilker é diretor do grupo brasiliense Teatro do Concreto. Licenciado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília, é consultor do Departamento Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi) na área de teatro socioeducativo e teatro nas indústrias. Também é consultor do Instituto Ayrton Senna e membro do conselho editorial da revista Entrelinhas e Concreto, especializada em teatro. Como pesquisador da área teatral e arte-educador tem ministrado palestras e oficinas e colaborado com a TV Escola, sites e publicações.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Francis Wilker defende a utilização do teatro na escola e diz que ele possibilita, entre outras coisas, que os estudantes se interessem mais pela escola, pelo conhecimento, por fazer parte e descubram que podem ir além do que pensavam ser capazes.

Ele sugere aos professores que incentivem nas peças um caráter mais de reflexão, de levantamento de questões. “É tão bom quando uma obra de arte nos deixa perguntas ao contrário de nos oferecer receitas prontas”, salienta.

Jornal do Professor – Qual é a importância do teatro na escola? Que benefícios pode trazer aos alunos?

Francis Wilker – O teatro é uma linguagem, uma área do conhecimento humano com conteúdos específicos. Estudar teatro na escola é uma oportunidade de conhecer essa linguagem e ser capaz de ler o mundo por outra ótica. É uma arte que envolve nossos sentidos, emoções, conhecimentos e toda a nossa história de vida, a subjetividade de cada pessoa, seja estando em cena, seja como espectador. Essa comunicação se dá por outra via que não é a mesma de outras áreas do saber, como a ciência, que tem outros códigos e discursos. Então, ter acesso a essa linguagem é um direito de nossos educandos, porque nela descobrirão outros “instrumentos” para olharem, sentirem, analisarem e transformarem o mundo ao redor, de forma mais sensível, crítica e criativa.

No aspecto do fazer, criar envolve tecer relações complexas entre diferentes elementos, então, ao fazer teatro, estudantes estão elaborando “composições”, juntando coisas diferentes: uma forma de andar ou se deslocar pelo espaço, o texto que é dito, a roupa e objetos de cena, que carregam também significados, o sentimento que desejam expressar em cada ato físico ou verbal, etc. Percebam que são muitas as questões numa cena e o estudante está aprendendo a associar todas essas informações e elementos na busca de criar um sentido para sua cena, elaborar um discurso. Nesse sentido, criar envolve habilidades complexas de estabelecer relações com conteúdos aparentemente distintos. Será que na vida somos convidados a isso? Será que uns desenvolvem mais essa capacidade e outros menos? Talvez alguns tenham oportunidade de, pelo fazer, identificar e potencializar essas habilidades e outros não?

No teatro não aprendemos apenas fazendo, mas também assistindo as encenações. Quando conhecemos os elementos dessa linguagem nossas leituras de uma obra teatral podem atingir camadas mais profundas que apenas a dimensão do gostei ou não gostei. Diante de uma cena somos afetados por sensações, emoções e uma série de informações que estão ali presentes no que é feito, dito e no como é feito e dito. Como lemos essa obra? Que relações somos capazes de criar? Que memórias pessoais são “acordadas” quando vejo essa cena?

O contato com a obra de arte nos possibilita, a partir da experiência pessoal, construir diversas significações acerca do mundo e de nós mesmos, ou seja, altera pontos de vista e ajuda a construir nossos próprios discursos sobre a realidade. O exercício de “ler” um trabalho cênico mobiliza a nossa capacidade crítica, de reflexão, de síntese, e, principalmente, de estabelecer relações. É importante criar na escola atividades que criem espaços de reflexão crítica sobre as peças, que possam explorá-las a partir do tema e, também, a partir da forma como se construiu poeticamente essa abordagem. Será a partir da análise do fenômeno teatral em suas várias dimensões que os estudantes poderão aprimorar a sua compreensão do discurso cênico. E é esse exercício que mobiliza habilidades importantes para o aperfeiçoamento pessoal, social, cognitivo e produtivo.

JP – Como os professores que não têm experiência com teatro podem utilizá-lo com bons resultados?

FW – No geral, quase sempre há nas escolas alguns educadores ou educadoras que têm um apreço pelo teatro. Geralmente esse interesse está no uso do teatro, da dramatização como um recurso para ajudar os estudantes a elaborarem e se apropriarem de um conteúdo escolar. Então, você vai criar uma peça sobre métodos contraceptivos, ou sobre a colonização dos países africanos ou sobre o quinhentismo na literatura brasileira, etc. Para muitos estudantes no Brasil esse é um dos únicos contatos com a linguagem do teatro. Eu mesmo tive minhas primeiras experiências na aula de literatura. O que ocorre aqui é que o foco está no conteúdo a ser trabalhado e não no teatro como linguagem e área do conhecimento com elementos próprios. Isso não é algo ruim, o teatro nesse caso é um instrumento didático. Acredito que o importante é a escola criar oportunidades para que os estudantes possam aprender e vivenciar o teatro para além dessa perspectiva instrumental. Para isso, o ideal é que cada escola tenha professores de teatro e naquelas que não têm isso ainda efetivado, que os professores que gostam dessa arte possam ler mais sobre teatro, ler peças e procurar assistir mais encenações. Para regiões onde isso ainda é um desafio, talvez a internet possa ajudar um pouco a ampliar as referências que os educadores têm do teatro por meio de textos, imagens e vídeos.

Outra sugestão que gostaria de deixar é que incentivem nas peças feitas na escola um caráter mais de reflexão, de levantamento de questões. É tão bom quando uma obra de arte nos deixa perguntas ao contrário de nos oferecer receitas prontas. É tão bom quando uma obra de arte nos convida a pensar ao contrário de nos dizer o que devemos pensar e sentir daquilo que estamos vendo. Enfim, que deixem espaços para o espectador criar e pensar e não tentem “catequizar” o público.

JP – Qual a idade mínima que os alunos devem ter para participarem de teatro na escola? Há uma faixa etária mais adequada para a participação em espetáculos teatrais na escola?

FW – Nas séries iniciais do ensino fundamental, as crianças estão numa fase onde se trabalha mais com jogos dramáticos, para nas séries seguintes ir trabalhando com jogos teatrais e aprofundando mais no conhecimento e vivência da linguagem. Em todo caso, penso que o importante é a escola não perder o foco do processo de aprendizagem em busca de um resultado final, que seria o espetáculo. Criar uma peça pode ser um laboratório muito rico de aprendizagem pessoal, relacional, cognitiva, produtiva. Imagine quanto conhecimento está em jogo numa atividade onde você precisa se relacionar com o outro o tempo todo, onde você precisa se expor. Quantas pesquisas e conhecimentos podem ser acessados em relação ao tema trabalhado e também sobre a própria linguagem cênica... Temos aqui um terreno muito fértil para aprender, para instigar nossos estudantes. Por isso, ficar focado no resultado apenas, na peça que tem que ser feita para o evento tal, pode diminuir um pouco a “fertilidade” desse processo. O que estou tentando dizer é que na escola penso que o foco é o processo de criar a peça, tudo que podemos gerar de aprendizagem nele e não apenas o resultado (a peça), embora eu também ache o resultado importante e já tenha visto coisas muito bem feitas nas escolas. Outro cuidado talvez seja não exigir de crianças e adolescentes um estágio de trabalho que não seja apropriado ao momento em que estão, apenas para “ter uma peça boa no dia do evento”. Isso seria passar por cima do processo pedagógico e de criação.

JP – Há algum tipo de peça teatral mais recomendada para ser encenada na escola? E quanto aos autores, há alguns mais recomendados? Ou em sua opinião, é preferível que as peças escolares sejam criações coletivas dos alunos?

FW – Eu penso que a escola deve ser sempre um espaço de diversidades – plural na sua natureza e conteúdo – assim, se os estudantes tiverem a oportunidade de conhecer diferentes referências de teatro, de texto teatral, de tipo de encenações, mais rica será essa educação. Isso pode ser organizado levando em conta a faixa etária dos estudantes e os conteúdos que devem ser enfatizados a cada série. No aspecto do texto teatral, temos muitos autores nacionais com obras de qualidade que podem ser mais ou menos apropriado à determinada faixa etária. Maria Clara Machado e Sylvia Orthof, por exemplo, têm excelentes textos mais voltados para o público infanto juvenil. Autores como Nelson Rodrigues e Plínio Marcos talvez já fossem mais recomendados para o ensino médio ou séries finais. Aqui o mais importante é o contexto em que essas obras serão trabalhadas e como serão abordadas. A lista de autores é bem grande, sem falar nos dramaturgos contemporâneos. Quanto à criação coletiva ou dramaturgias construídas a partir de um processo de pesquisa com os estudantes, são muito bem vindas também e podem resultar em textos riquíssimos.

O que penso é que seja partindo de um texto pronto ou construindo um texto, é muito importante o educador ajudar a ampliar os horizontes de leitura e busca de referências, ou seja, vamos partir daquele conhecimento que nossos estudantes trazem consigo, mas, precisamos sempre ir além dele, afinal, a escola é onde abrimos portas e ajudamos a criar pontes para novos mundos. Não podemos sair de uma experiência assim sabendo apenas o que já sabíamos antes.

JP – Que disciplinas ou conteúdos disciplinares podem ser desenvolvidos em uma peça teatral?

FW – O teatro é uma área coletiva e interdisciplinar por natureza. Na cena temos o encontro da música, das artes visuais, cênicas, da literatura... enfim, de muitas áreas do conhecimento humano. Qualquer tema pode ser trabalhado numa peça de teatro e envolver diferentes disciplinas, isso exige diálogo entre os professores e a capacidade de buscar relações com sua área. Vamos pensar num simples exemplo: se trabalharmos um texto como O Beijo no Asfalto, do Nelson Rodrigues, que conteúdos filosóficos, sociológicos, históricos, geográficos, estão ali presentes? Como era a economia, a política, a ciência naquele período? Como é hoje? O que nos distancia e o que nos aproxima daquele contexto? E se partirmos da pesquisa de um tema para construirmos o espetáculo, como por exemplo, o amor, essas mesmas questões e muitas outras poderiam ser levantadas de forma a ampliar a relação entre áreas do conhecimento e consequentemente as oportunidades de aprendizagem.

JP – O senhor já coordenou, em algumas ocasiões, o Festival de Teatro na Escola, promovido pela Fundação Athos Bulcão, em Brasília. O que pode observar, com relação à participação de alunos e professores?

FW – O Festival é um projeto pelo qual tenho muito carinho, foi para mim uma escola de pensar o teatro na escola. A Fundação Athos Bulcão tem um cuidado no acompanhamento pedagógico dos professores que enriquece muito um espaço que poderíamos chamar de formação continuada em serviço. Eu poderia aqui tecer muitos fios de análise desse projeto, mas, vou ressaltar alguns aspectos que me impressionam concretamente: a capacidade de mobilização que o teatro tem numa comunidade educativa, você vê, pouco a pouco, funcionários, outros professores, direção e pais se envolvendo com a atividade; a culminância do projeto afeta de maneira muito positiva a autoestima da escola, do bairro; a relação entre estudantes e o professor ou professora de teatro se torna muito mais próxima; os jovens desenvolvem habilidades de convívio muito caras aos nossos tempos atuais, se conhecem melhor e trabalham suas habilidades pessoais, se interessam mais pela escola, pelo conhecimento, por fazer parte e, para além de tudo isso, descobrem que podem ir além do que pensavam que são capazes!

Quanto aos professores, vejo práticas renovadas, referências teóricas e metodológicas ampliadas, desafios de gestão de grupo como espaço para aperfeiçoar suas habilidades docentes e um orgulho imenso de ensinar teatro! Outra coisa que me emociona é ver a comunidade indo à escola e ao teatro para ver aquilo que seus jovens criaram e se orgulharem. Eu não tenho dúvidas de que uma educação pela arte ensina muito e já vi realidades individuais e coletivas serem transformadas.

Por último, vivemos um tempo onde o acesso ao conhecimento se tornou muito mais fácil, há informação por toda parte, até na traseira dos ônibus, porém, a capacidade de ler criticamente todo esse mundo de informação, de estabelecer relações, de se posicionar de forma mais coerente, de se mobilizar por causas e situações, parecem ser nossos novos desafios e isso me faz lembrar uma frase do Plínio Marcos que diz mais ou menos assim “o mundo nunca precisou tanto dos poetas, como agora”. Eu acredito nisso, precisamos de arte para dar conta da vida.

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