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Edição 113 - Educação Integral
14/05/2015
 
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Ana Maria Cavaliere (UFRJ): “Educação integral precisa de mais tempo, mais espaços e atividades educacionais de diferentes naturezas”

A educação integral pode formar indivíduos mais preparados para a vida em sociedade, diz Ana Maria

A educação integral pode formar indivíduos mais preparados para a vida em sociedade, diz Ana Maria

Autor: Arquivo pessoal


Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas dos Sistemas Educacionais (Gesed) e do Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi), Ana Maria Cavaliere define a educação integral como uma concepção de educação escolar multidimensional, que pretende ir além da instrução escolar stricto sensu. Para isso, segundo a professora, essa educação precisa de mais tempo, mais espaços e atividades de diferentes naturezas.

Em tese, defende Ana Maria, “a educação integral pode formar indivíduos mais preparados para a vida em sociedade, em todas as suas dimensões, especialmente devido à maior riqueza de experiências compartilhadas”.

Com graduação em ciências sociais, ela tem mestrado em educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação (Iesae) da Fundação Getúlio Vargas, doutorado em educação pela UFRJ e pós-doutorado pelo Institut d’Études Politiques de Paris (Sciences Po) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuou como professora de história da rede pública municipal do Rio de Janeiro de 1985 a 1994, quando trabalhou em escolas de tempo integral e participou da equipe estadual de coordenação do programa dos centros integrados de educação pública (Cieps).

Jornal do ProfessorO que é educação integral?

Ana Maria Cavaliere – É a ação educacional que envolve diversas e abrangentes dimensões da formação dos indivíduos. Quando associada à educação não intencional, diz respeito aos processos socializadores e formadores amplos, que são praticados por todas as sociedades por meio do conjunto de seus atores e ações, sendo uma decorrência necessária da convivência entre adultos e crianças. Do ponto de vista de quem educa, indica a pretensão de atuar em diferentes aspectos da condição humana, tais como os cognitivos, emocionais e societários. Quando referida à educação escolar, apresenta o sentido de religação entre a ação intencional da instituição escolar e a vida em sentido amplo. No Brasil, aparece quase sempre associada à ampliação da jornada escolar.

Quando surgiu esse conceito no Brasil?

– Não é possível determinar um momento preciso. O conceito já foi utilizado no Brasil em diferentes contextos históricos. Os anarquistas, em suas escolas do início do século 20, defendiam, tal como seus pares na Europa, a educação integral, vista por eles como o caminho para a emancipação dos indivíduos. Já o Movimento Integralista, de viés autoritário, desenvolveu, nas décadas de 1920 e 1930, em teoria e prática, uma escola de educação integral. Essa educação envolvia o Estado, a família e a religião, postos em sintonia pela escola, numa intensiva ação educativa. Anísio Teixeira, representando a escola nova, embora pouco utilizasse o termo, propôs, ao longo de sua obra, uma educação escolar que fosse além da instrução escolar. Afirmava que a escola já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vezes da casa, da família, da classe social e por fim da escola, propriamente dita, oferecendo à criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudo, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos. No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, a expressão está explícita e afirma o direito de cada indivíduo à sua educação integral, a ser realizada com a cooperação de todas as instituições sociais.

Quais os benefícios desse tipo de educação para o aluno?

– Como sempre em educação, seus resultados–benefícios dependem de qual escola e de qual aluno estamos tratando. A educação integral é uma concepção de educação escolar multidimensional. Isto é, que pretende ir além da instrução escolar stricto sensu. Para isso, precisa de mais tempo, mais espaços e atividades educacionais de diferentes naturezas. O desafio é fazer isso sem retirar a instrução escolar do centro das preocupações. Ou melhor, conseguir fundir ou, no mínimo, articular essas ações educacionais de diferentes naturezas. Em tese, a educação integral, a depender de seu direcionamento, isto é, da visão político-educacional que a informe, pode formar indivíduos mais preparados para a vida em sociedade, em todas as suas dimensões, especialmente devido à maior riqueza de experiências compartilhadas. Mas, ela não pode fazer nada que já não esteja no horizonte da sociedade onde se situa. Nenhuma educação de massas, intencional e institucional, pode mais do que a sociedade que a produz.

Como a escola deve se organizar para oferecer a educação integral?

– Depende das condições prévias. Mas, imaginando-se que os alunos passarão mais tempo na escola, será preciso um ambiente mais bem preparado, mais espaço e equipamentos, mais profissionais da educação e uma estrutura organizacional que permita vivências ricas, baseadas no protagonismo de alunos e professores. A fraca construção institucional da escola brasileira tem sido um entrave para a efetivação de qualquer política–projeto educacional. Não é diferente com as tentativas de implantação da chamada educação integral. O fortalecimento institucional da escola brasileira passa por muitos caminhos. Entre eles, a valorização dos profissionais que nela trabalham.

A escola tem recursos para implementar os novos projetos?

– Infelizmente, a escola brasileira ainda tem poucos recursos. O programa Mais Educação é uma tentativa de levar algum recurso para estimular a escola a praticar uma educação que diversifique suas práticas e objetivos. Mas as dificuldades têm sido enormes. Nossas escolas, especialmente nas grandes cidades, são minimalistas. Ou seja, pouco espaço, pouco tempo, poucos profissionais, mas muitos alunos. Sem recursos não se faz uma boa educação convencional, muito menos uma educação integral que se pretende multidimensional. O mínimo ainda predomina na educação brasileira, e o mínimo na escola acaba sendo o conteúdo estritamente escolar, o que não poderia ser diferente.

Como deve ser o professor de uma escola que funciona no sistema de educação integral?

– Não me parece que exista um sistema de educação integral. Existem escolas de tempo integral que pretendem praticar um tipo de educação chamada de educação integral. Tudo isso ainda muito embrionário e sem possibilidades (políticas e materiais) de universalização. Na verdade, a grande maioria das escolas brasileiras apresentadas hoje como de educação integral oferece o horário integral com atividades adicionais para um grupo pequeno de alunos. Essas atividades são desconectadas daquelas dos turnos regulares (no mínimo dois), que todos frequentam. Por isso, me parece necessário explicitar melhor o significado do conceito e as perspectivas de sua incorporação à educação pública brasileira. É uma proposta para todos? Ou para os alunos mais vulneráveis socialmente? É prioritária para as crianças menores, que necessitam de cuidados intensivos? Mas, respondendo à pergunta, sendo uma escola de tempo integral, com todos os alunos em turno integral, o professor também precisa estar lá o dia inteiro. Sendo uma escola com recursos, o professor precisa participar das decisões sobre o uso desses recursos. Sendo uma escola que oferece múltiplas dimensões educacionais, ele precisa participar, coordenadamente com outras instâncias legítimas de decisão, das escolhas temáticas e processuais da ação pedagógica.

A educação integral é oferecida em outros países. Como está o Brasil em relação a esses países? Temos exemplos na América Latina?

– Mesmo sem usar o termo educação integral, a ideia que ele embute existe e é praticada em muitos países. Especialmente nos mais ricos, com sistemas escolares fortes e muito organizados. Deixar as crianças por mais tempo na escola é reivindicação dos pais nas sociedades contemporâneas. A vida para as crianças e adolescentes nas grandes metrópoles ficou difícil, e as mulheres estão definitivamente no mercado de trabalho. A educação, em sentido amplo, é cada vez mais compartilhada entre família e escola. Mas o custo é muito alto. Mesmo em países ricos, essas práticas ampliadoras da ação escolar estão associadas com frequência aos programas de atenção prioritária aos mais necessitados, o que gera debates e controvérsias, como é o caso das zonas de educação prioritária francesas. Isso porque os perigos da estigmatização surgem em todas as iniciativas focalizadas em segmentos populacionais específicos, aqueles com dificuldades escolares.

No Brasil, no programa Mais Educação e em outras experiências anteriores, a educação integral e mesmo a jornada integral foram associadas aos segmentos da população mais vulneráveis socialmente. Temos de pensar melhor sobre isso. Entretanto, a ideia de uma escola multidimensional, nos termos explicitados por Anísio Teixeira, pode ser válida para todas as crianças e adolescentes e abrir caminhos para uma nova concepção de educação escolar, com ou sem o nome de educação integral.

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