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Edição 17 - Dislexia: como trabalhar com ela?
09/04/2009
 
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É preciso capacitar professores


Psicopedagogo e psicomotricista, Mário Ângelo Braggio atua junto a portadores de necessidades educacionais desde 1987. Sócio-fundador e membro do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Dislexia (ABD), é responsável pela implantação do programa de inclusão de alunos disléxicos no Externato Nossa Senhora Menina, em São Paulo (SP), e coordenador da Vitae - Atendimento Psicopedagógico Especializado.

Graduado em geografia, pedagogia e teologia, com mestrado em educação, é professor e orientador educacional desde 1970.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Mário Ângelo Braggio fala sobre os principais tipos de dislexia que existem, explica quais as principais características que podem indicar a ocorrência do distúrbio e ressalta necessidade de capacitar professores.

Jornal do Professor – O senhor trabalha só com alunos disléxicos ou também atende portadores de outras necessidades ou problemas?

Mário Ângelo Braggio – Inicialmente o trabalho destinava-se a alunos disléxicos. Com o tempo, devido às comorbidades associadas à dislexia e à própria proposta de inclusão, o atendimento foi estendido a portadores de outras necessidades educacionais, tais como problemas de atenção, perceptivos, emocionais, de memória, cognitivos, psicolingüísticos, psicomotores, motores, de comportamento etc.

JP – O senhor acha que as escolas brasileiras estão preparadas para atender alunos disléxicos? Que características os professores devem observar a fim de reconhecer alunos disléxicos?

MAB – A inclusão contribuiu para que a dislexia saísse do anonimato e se tornasse conhecida. A cada dia que passa, mais e mais profissionais entram em contato com o assunto. Aumenta o número de educadores sensibilizados para essa questão e, principalmente, interessados em oferecer ao alunos disléxicos condições adequadas de aprendizagem e de avaliação. Isso é só o começo, mas já é muito importante, pois permite a criação de uma cultura que facilita todo o processo. Contudo, é preciso capacitar professores para que possam reconhecer, identificar, encaminhar e atuar - na sala de aula - com tais alunos.

São várias as características que podem sugerir ou indicar um quadro de dislexia, dentre as quais destacam-se:

Leitura - leitura titubeante, claudicante;troca de grafemas semelhantes: p q b d; acréscimos, inversões, omissões, repetições;

falta de ritmo, lentidão, falta de pontuação, repetição ou salto de linha, leitura mecânica ou inexpressiva; não compreende, não interpreta o que lê; não gosta de ler, foge das situações em que tem de ler, nega-se a fazê-lo.

Escrita – Escrita espelhada; mistura de grafemas maiúsculos com minúsculos; repetição de grafemas, símbolos ou palavras; dificuldade em utilizar os elementos gramaticais e a estrutura sintática da frase (na percepção do tempo, gênero e número das palavras e na função sujeito + verbo + complemento); escrita repassada, rasurada;

lentidão (para registrar um ditado, para copiar da lousa, para responder a uma questão, na escrita espontânea, etc.);

trocas visuais (ex.: p q d b), auditivas (ex.: t/d, v/f, j/ch/x, k/g, p/b) e espaciais, tais como: omissões (ex.: escola/ecola), acréscimo (ex.:fique/fiaque), inversões (ex.: prato/parto), aglutinações (ex.: o menino é legal/omenino é legal), dissociação (ex.: o vagalu me) de grafemas e apresentação de logatomas (palavras sem significado. Por exemplo: mineque, bidama, lofima); escrita de numerais, apresentando a rotação de algarismos (ex.: 6/9); inversão de algarismos ou troca por outro de som semelhante (ex.: 24/42; 60/70);

Outros – Dificuldade na aquisição e desenvolvimento das habilidades lingüísticas de uma maneira geral; dificuldade para aprender seqüências referentes ao dia, à semana, ao mês, ao ano; dificuldade com análise e síntese do som de uma palavra; dificuldade na linguagem e na fala: vocabulário pobre, disnomias (dificuldade em nomear ou reconhecer nomes de pessoas, coisas e objetos), sentenças curtas e imaturas; reconhecimento pobre de rima e aliteração (repetição de letras ou sílabas no início da palavra. Por exemplo: "casa, casado, casamento; tapa, tapado, tapete); desatenção e dispersão; dificuldade com a coordenação motora fina: disgrafia (dificuldade para escrever letras, numerais, sinais...) e desenhos; dificuldade com a coordenação motora grossa: "desengonçado" nas aulas de educação física, por exemplo; desorganização geral: do material escolar, nos trabalhos escolares (lição de casa, pesquisas, etc.); dificuldades visuais: postura da cabeça, desorganização no espaço da folha do caderno, confusão entre direita e esquerda (lateralidade), dificuldade para ler mapas, manusear dicionários, etc; dificuldade com a memória imediata: instruções, dígitos, tabuadas, fonemas, etc; dificuldade para ordenar e resolver problemas de matemática (discalculia) e desenho geométrico; dificuldade com a perspectiva no desenho; dificuldade para aprender língua estrangeira – o inglês, por exemplo, possui fonemas e grafemas não utilizados em português e é regido por sintaxe diferenciada; problemas de conduta na sala de aula: "exibicionismo", timidez, recusa em fazer e participar de atividades.

JP – Existem alguns métodos de ensino mais indicados para alunos disléxicos? Existem materiais didáticos próprios?

MAB – A prática demonstra que os disléxicos não necessitam propriamente de um método de ensino, mas de procedimentos adequados às suas necessidades específicas. O ideal é oferecer todos os meios e todas as oportunidades possíveis para que o aluno possa aprender. Abordagens multisensoriais, indutivas, fracionadas, partindo daquilo que ele já conhece, são significativamente facilitadoras.

JP – Que tipos de dislexia existem? Pode-se dizer que essa síndrome "tem cura"?

MAB – Há várias classificações de tipos de dislexia. Em 1966, por exemplo, Bannantyme distinguiu a dislexia genética (dificuldades de natureza auditiva) da dislexia por disfunção cerebral mínima (dificuldades viso-espaciais, cinestésico-motoras, táteis e de conceitos). Em 1971, Boder e Myklebust propuseram outra classificação: dislexia disfonética (ligada à percepção auditiva), dislexia diseidética (ligada à dificuldade na percepção visual), dislexia visual (deficiência na percepção visual), dislexia auditiva (deficiência na percepção auditiva) e dislexia mista (combinação de mais de um tipo de dislexia). De uma maneira geral, tais especificidades interessam mais aos profissionais que atuam em nível terapêutico. É importante para o professor saber o tipo e dislexia diagnosticada no seu aluno, mas isso só não basta. Ele precisa ser orientado sobre como atuar com o aluno, como levá-lo a utilizar da melhor maneira possível o seu potencial, como driblar os seus pequenos problemas e as suas pequenas dificuldades do cotidiano.

A dislexia não é uma doença. Não se fala em cura. Fala-se em ajudar o disléxico a conhecer-se cada vez mais e melhor, reconhecer o seu potencial, identificar as suas habilidades e a desenvolver outras tantas que possam minimizar as suas dificuldades.

JP – As pessoas que têm dislexia podem chegar à faculdade?

MAB – Sem dúvida nenhuma. Eu mesmo conheço dezenas de pessoas disléxicas que não só chegaram à faculdade como cursaram e concluíram cursos os mais variados: serviço social, psicologia, arquitetura, engenharia, computação, desenho industrial, administração de empresas, educação física etc. Conheço, também, outros que não cursaram o ensino superior e, mesmo assim, são pessoas felizes, bem sucedidas, realizadas pessoal e profissionalmente.

 

Assista o vídeo com texto original de Mario Ângelo Braggio, disponível no You Tube – O Olhar do Educador

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