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JORNAL
Edição 40 - Voluntariado na Escola
08/06/2010
 
ou

Trabalho voluntário deve estar a serviço de proposta pedagógica

Educação e voluntariado: uma parceria produtiva foi tema da dissertação de mestrado de Rejane Klein.

Educação e voluntariado: uma parceria produtiva foi tema da dissertação de mestrado de Rejane Klein.

Autor:Arquivo pessoal


Pedagoga, com mestrado e doutorado em educação, Rejane Ramos Klein atua no magistério há dez anos. Atualmente, ela leciona na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS), onde dá aulas no curso de especialização em educação especial. Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Antonio Bemfica Filho, em Novo Hamburgo (RS), trabalha com alunos do 5º ano do ensino fundamental.

Em sua dissertação de mestrado sobre o tema Educação e voluntariado: uma parceria produtiva, Rejane Klein diz que as ações voluntárias na escola possibilitam um maior relacionamento dos alunos com seu contexto social, mas é preciso analisar de forma coletiva as implicações de assumir no currículo escolar aquilo que outros dizem que é importante de ser trabalhado com os alunos. Em sua opinião, as participações dos estudantes podem ser intensas quando os objetivos forem coletivos, pois terão partido deles também e não vindos apenas de fora, por sugestão de outros.

Para ela, o trabalho voluntário na escola deve estar a serviço da proposta pedagógica da instituição, sem perder de vista a relação entre a proposta de ensino e a prática voluntária desenvolvida.

Jornal do Professor - O que a levou a desenvolver essa tese? Quais os principais resultados ou conclusões obtidos?

Rejane Klein – O que me levou a desenvolver essa tese foi meu envolvimento com a área da educação, desde a minha graduação, quando atuei em uma instituição que recebia professores voluntários para trabalhar em oficinas que funcionavam como complementares ao currículo da escola regular. Já no trabalho de conclusão de curso, iniciei minhas análises sobre a temática do voluntariado e sua relação com a educação, dando continuidade logo em seguida, no mestrado em educação.

Nesse último estudo analisei dois programas de voluntariado que tinham relação com a escola: “Tribos nas trilhas da cidadania”, da instituição Parceiros Voluntários e “Selo Escola Solidária”, instituição Faça Parte. A partir do objetivo da pesquisa, que era analisar os discursos que articulam a educação e o voluntariado, busquei compreender os mecanismos que criam as condições necessárias para a materialização de certa cultura do voluntariado na escola. Descrevi e analisei os procedimentos utilizados por esses dois programas, os quais sensibilizam as escolas, os professores e os alunos, produzindo determinados saberes e capacidades que se colocam como críticos à sociedade neoliberal, mas que, ao mesmo tempo, podem estar a seu serviço.

Nesse sentido, pode-se dizer que os resultados encontrados apontam para uma necessidade de problematização das práticas voluntárias que são realizadas nas escolas, as quais geralmente são vistas apenas em termos de benefício que possibilita aos envolvidos em tal prática, mas deixa de fora outras análises que tratam das condições históricas, políticas, econômicas que embasam essa lógica do voluntariado em nossas sociedades contemporâneas.

Outro resultado importante foi perceber que a escola tem sido colocada muitas vezes, no lugar de “salvadora”, ou de resolução dos problemas sociais e, por isso, as práticas de voluntariado eram tão incisivamente direcionadas ao currículo escolar, priorizando determinados conhecimentos, valores e atitudes dos sujeitos que poderiam levá-los a uma maior autonomia, responsabilidade, engajamento, etc. Portanto, não se trata de ser contra a essas práticas, até porque elas possibilitam maior relação dos alunos com seu contexto social, mas é preciso analisar coletivamente, enquanto escola, as implicações de assumir no currículo escolar aquilo que dizem ser importante de trabalhar com os alunos (KLEIN, 2005).

JP – A senhora desenvolve algum projeto de voluntariado em sua escola?

RK - Atualmente direcionei meus estudos para o tema da avaliação e do currículo, pensando sobre os alunos que têm sido reprovados na escola. Não me detive mais nessa questão do voluntariado, ainda que a perceba presente em muitas de nossas práticas escolares. Em minha escola não há nenhum projeto de voluntariado, mas vejo muitas escolas assumirem tais projetos porque são sugeridos como bons, ou como aqueles que deram resultado em algum contexto. O problema está em querer aplicar projetos modelos nas escolas sem ser esse o objetivo que pauta aquela comunidade escolar. Então, acredito que pequenos projetos, quando nascem de alguma necessidade do grupo escolar, sejam professores, alunos, ou mesmo comunidade, devem ser incentivados para aquela escola e não servir de cópia para outras. Assim, as participações dos estudantes podem ser intensas porque terão objetivos coletivos, os quais partem deles também e não vindos apenas de fora, sugeridos por alguém.

JP - Em sua opinião, qual é a importância de se realizar trabalho voluntário nas escolas? Quais os benefícios que ele pode trazer para os alunos envolvidos?

RK - Conforme mencionei nas questões anteriores, o trabalho voluntário não pode ser analisado apenas em termos de benefícios para os alunos envolvidos. Certamente há benefícios significativos, porém devemos considerar que com esse tipo de trabalho muitas vezes também estamos assumindo outras funções que transcendem o nosso papel que deve estar mais atrelado às questões do conhecimento. A lógica atual de minimização do papel do Estado tem auxiliado na proliferação dessas práticas voluntárias e, principalmente, dessas desenvolvidas e assumidas pelas escolas e por seus currículos. Nas escolas que analisei (envolvidas com a instituição Faça Parte), as que desenvolvessem o voluntariado eram premiadas com um “Selo Escola Solidária”. Então é preciso que seja analisada essa lógica de competição. Proporcionar momentos em que se pode pensar em quais são os objetivos de se desenvolver esse tipo de trabalho na escola parece ser fundamental. Quando essas questões são consideradas e também discutidas com os alunos, podemos sim, desenvolver com eles certas práticas que possam fugir a essa lógica de competição e possibilitar que o ensino e o saber não fique apagado na escola em detrimento de práticas que apenas priorizam o fazer.

JP - O voluntariado na escola deve ser uma atividade obrigatória, integrante do currículo ou opcional?

RK - Quando são assumidas em seus currículos, as práticas voluntárias já ganharam uma dimensão de obrigatoriedade, a qual deve perpassar todas as disciplinas e tudo o que se faz na escola. Então esse é um cuidado importante de se tomar antes de regulamentar essa prática. Quando ela é opcional às escolas, deixa em aberto a possibilidade de nascer um projeto que tenha significado àquela comunidade escolar e não se impõe a todos que desenvolvam algo apenas porque dizem ser importante. Uma das práticas que mais apareceu nos materiais que analisei foram aquelas em que os alunos com dificuldade de aprendizagem recebiam a ajuda de outros alunos (voluntários) que se dispunham a ajudá-los em momentos específicos, organizados pela escola. Se pegarmos esse exemplo como uma prática obrigatória dentro da escola, talvez se perca o objetivo de possibilitar trocas maiores entre os alunos a partir de diferentes propostas, porque estaria dentro de uma obrigatoriedade, em que necessariamente a superação das dificuldades deveria ocorrer como resultado dessas práticas, ou seja, os alunos voluntários seriam cobrados por isso, pois estariam desenvolvendo uma prática regulamentada.

JP - Há algum tipo de atividade voluntária mais apropriada para ser desenvolvida por estudantes?

RK - Penso que não se deva de antemão determinar quais tipos de práticas os alunos poderiam desenvolver. Dessa forma estaremos limitando o que é potencialmente pedagógico aí, que é justamente o envolvimento dos alunos no desenvolvimento dessas práticas, desde a sua criação até a sua execução. Ainda assim, mesmo com esse envolvimento dos alunos não se pode perder de vista a intencionalidade pedagógica, ou seja, ao propor para os alunos que desenvolvam certas práticas, o que elas têm a ver com aquilo que o professor está trabalhando em sala de aula de forma a não perder de vista a relação entre a proposta de ensino e a prática voluntária desenvolvida. Quanto mais houver essa relação, mais essa prática pode tomar uma outra posição na escola: aquela que está a serviço de uma proposta pedagógica.

JP – O trabalho voluntário pode ser realizado por estudantes de qualquer faixa etária?

RK - Conforme mencionei acima em relação à prática a ser desenvolvida, o mesmo serve para pensar em relação ao estabelecimento de uma idade adequada. Desde que esteja dentro de uma proposta de ensino, não pode haver limitações como estas. As práticas podem diferenciar-se conforme as idades, mas não podem deixar de ocorrer porque nós professores delimitamos que apenas alguns teriam condições de realizar.

JP - A senhora tem conhecimento do número de Estados brasileiros que possuem escolas que realizam atividades desse tipo? Ou do percentual de escolas brasileiras que participam de atividades voluntárias?

RK - Penso que hoje são muitas as escolas que se envolvem com essas práticas voluntárias. Elas passaram a ser incorporadas pelas escolas principalmente com a entrada do trabalho das Organizações não-governamentais (ONGs). Não tenho um percentual tão exato, mas conforme analisei em minha pesquisa, há uma certa cultura do voluntariado sendo disseminada em todas as áreas, portanto a escola não está alheia a isso. Ao contrário, as escolas tendem a assumir esse discurso como benéfico até porque os recursos públicos estão cada vez mais escassos, sendo que um projeto como o do “Amigos da Escola”, por exemplo, é sempre bem vindo. Nas duas instituições que analisei, uma do Estado do RS e outra do Estado de SP, havia um número altíssimo de escolas envolvidas.

JP – A senhora tem conhecimento de experiências desse tipo em escolas de outros países?

RK - O que é possível perceber é que essa lógica de voluntariado não existe apenas aqui no Brasil. Ela é fortemente desenvolvida, principalmente, nos EUA e tem sido muito copiada por nós brasileiros. O I Congresso Brasileiro do Voluntariado, realizado no Estado de São Paulo em julho de 2001, apresenta essa aliança entre a escola e o voluntariado como uma necessidade.

Desta forma é que se justifica e tem se tornado inquestionável essa parceria entre organizações não-governamentais, o Estado e a sociedade civil para que juntos possam mobilizar recursos, energias, habilidades e competências para estender a educação a todos.

Muitos estudos também reafirmam esses discursos que aliam as práticas voluntárias ao meio escolar, aparecendo poucas problematizações de alguns elementos econômicos e políticos envolvidos. Além disso, o desenvolvimento dessas práticas é colocado como uma forma possível de melhorar o processo educativo, como um espaço de construção da cidadania ou, ainda, como uma possibilidade de transformar “a realidade social”.

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