O trabalho com projetos proporciona uma mudança na concepção do trabalho docente
Autor:Arquivo pessoal
Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do programa de pós-graduação em educação da mesma instituição, Giseli Barreto da Cruz acredita que a ideia central do trabalho com projetos é propiciar uma aprendizagem significativa, de forma “relacional e dialogada” entre as disciplinas e os conhecimentos escolares por elas trabalhados. Isso permite que a aprendizagem ocorra de forma global, via conexão e transformação dos conhecimentos prévios, na troca de experiências e no movimento ativo e significativo da pesquisa.
Para a professora, que coordena o curso de pedagogia e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (Geped) da UFRJ, o principal benefício dos projetos educacionais está na forma de organização do currículo, que favorece não só a aprendizagem dos alunos, como também dos professores e demais participantes da comunidade escolar.
Graduada em pedagogia, com mestrado e doutorado em educação, Giseli tem experiência na educação básica, com atuação nas funções de professora e de pedagoga em redes públicas de ensino.
Jornal do Professor — Desde que o Prêmio Professores do Brasil foi criado, em 2005, o MEC distingue projetos pedagógicos desenvolvidos em escolas da educação básica pública de todo o país. Qual a importância de os professores trabalharem com projetos? Quais os principais benefícios dessa metodologia na aprendizagem dos alunos?
Giseli Barreto da Cruz — Os projetos permitem organizar o currículo de maneira tal que as atividades não se prendam a uma visão de disciplinas escolares rígidas, com conhecimentos separados e fragmentados. A ideia central do trabalho com projetos é propiciar uma aprendizagem significativa, de forma relacional e dialogada entre as disciplinas e os conhecimentos escolares por elas trabalhados, com base nos questionamentos e problemáticas de interesse dos alunos, de modo que os temas sejam discutidos de forma mais ampla, articulada e coesa. Assim, a aprendizagem ocorre de forma global, através da conexão e da transformação dos conhecimentos prévios, na troca de experiências e no movimento ativo e significativo da pesquisa. O principal benefício do projeto reside na forma de se organizar o currículo, que favorece não só a aprendizagem dos alunos como também dos professores e demais participantes da comunidade escolar, visto que o tempo e o espaço não são tratados de maneira fixa, cristalizada. E também porque o processo é considerado, não somente o produto final da aprendizagem.
Há ainda outros benefícios para a aprendizagem dos alunos, dentre os quais o estímulo à autonomia, assim como o desenvolvimento da capacidade investigativa; o trabalho de parceria, marcado pela cooperação e colaboração, e a possibilidade de registros, de documentação dos processos de aprendizagem realizados durante o trabalho. Enfim, a relação entre professores e alunos em torno do conhecimento escolar em um contexto situado fica ainda mais potente quando a mediação do ensino e da aprendizagem se dá pela via dos projetos de trabalho.
— Os projetos oferecem contribuições aos professores? Quais as mais importantes?
— O trabalho com projetos proporciona uma mudança na concepção do trabalho docente. Possibilita que o professor saia do lugar de transmissor de conhecimento e se coloque como pesquisador, sendo ele também responsável pela busca de novos conhecimentos e informações, ao estimular a curiosidade e a criatividade dos alunos e ao compreender que os alunos não estão ali em sala para receber passivamente informações referentes aos conteúdos trabalhados.
— Quais os pontos que não podem faltar em um projeto?
— Costumo considerar como base a proposta de Fernando Hernández (1996), mais a minha própria experiência de trabalho. Assim, de um modo geral, não podem faltar:
• A escolha do tema pelos alunos, sob a mediação do professor, a partir de discussão investida do ponto de vista da argumentação, da negociação e da participação na tomada de decisão
• A busca de fontes de informação sobre o tema. Essa fase, de caráter mais exploratório, possibilita o planejamento das etapas do projeto, tanto pelos alunos quanto pelos professores
• O planejamento dos professores envolvidos para captar, da proposta curricular, dos livros didáticos e das fontes de informação elencadas, o conteúdo que pode ser trabalhado durante o projeto e estabelecer o fio condutor entre eles a partir do tema escolhido.
• O planejamento dos alunos, em forma de índice. Um índice individual aponta o que o aluno quer aprender durante o projeto, as atividades que podem ser desenvolvidas, as fontes de busca das informações e o tempo estimado. Um índice grupal, consolidado a partir do índice individual (a classe pode ter quantos grupos os professores considerarem necessários, assim como pode ter um único índice grupal, orientador das atividades de todos), será o ponto de partida para desenvolvimento das atividades propriamente ditas, mediante aval dos professores
• Implementação das atividades propostas no índice grupal
• Avaliação inicial, processual e final
• Organização do índice final pelos alunos para sinalizar os conhecimentos adquiridos com o projeto
• Montagem de dossiê, a partir do índice final, para evidenciar as aprendizagens realizadas. O dossiê pode conter diferentes linguagens e ser expresso de diversas maneiras: relatório, vídeo, portfólio, teatro, jornal mural etc.
— As instituições de educação superior preparam os futuros professores para trabalhar com projetos?
— Não tenho dados de pesquisa para responder fundamentadamente. Todavia, considerando minha experiência como professora formadora de professores, as organizações curriculares de cursos de licenciatura que conheço e o que ouço de estudantes, futuros professores e dos próprios professores da educação básica, o que se tem investido na formação inicial no tocante a projetos ainda é pouco.
Os formadores, diante dos limites de carga horária e da demanda de investimentos de formação, veem-se diante da necessidade de dar prioridade a eixos de estudo. Nesse processo, o conhecimento didático ocupa papel de menos relevância. Assim a formação de professores fica empobrecida ainda mais. É notório o quadro de precarização da formação e atuação de professores. Podemos observar isso em várias pesquisas que tratam do assunto (Gatti, 2010; Garcia & Vaillant, 2009). Se os cursos de licenciatura não possibilitarem aos futuros professores uma formação consistente e sólida em relação à prática pedagógica por meio de trabalhos com projetos, esses profissionais desenvolverão, ao assumir a prática docente nas escolas, aquilo que pensam ser projeto, não o que efetivamente pode ser. Contribuirão assim para perpetuar uma ideia equivocada sobre o tema.
Acesse a página do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (Leped) da UFRJ
Referências
GATTI, Bernardete Angelina. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação e Sociedade. Campinas: Cedes, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.
MARCELO GARCIA, Carlos; VAILLANT, Denise. Desarrollo profesional docente: como se aprende a enseñar? Madrid: Narcea, 2009.
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