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JORNAL
Edição 12 - Professor Universitário
06/01/2009
 
ou

"Expansão do ensino superior é o principal desafio", diz Elizabeth Balbachevsky

Autor:Arquivo pessoal


Em entrevista ao Jornal do Professor, Elizabeth Balbachevsky faz uma avaliação da educação superior no Brasil, comparando o cenário brasileiro ao encontrado em outros países. Professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, ela vem se dedicando há mais de dez anos ao estudo das políticas de educação superior. Em sua tese de doutorado, defendida em 1995, ela já estudava os atores e estratégias institucionais na profissão acadêmica no Brasil. Desde 2007, ela integra a rede internacional de pesquisa “The Changing Academic Profession”, que reúne pesquisadores de 19 países para estudar as transformações recentes da profissão acadêmica no contexto da globalização.

JP - Como a senhora analisa a situação da educação superior no Brasil?

EB - O Brasil enfrenta três grandes desafios no âmbito de seu ensino superior. O primeiro, e mais óbvio, é a expansão do ensino superior. Essa é uma questão premente, se quisermos pensar na inserção competitiva de nosso país no mercado global. Não é possível supor uma economia competitiva, a longo prazo, sem uma das vigas mestras dessa competitividade: a qualidade, competência e flexibilidade de nosso capital humano. Ora o ensino superior brasileiro ainda hoje, permanece restrito, atendendo cerca de 10% dos jovens em idade de frequentar a universidade. Sim, porque embora em números absolutos, as matrículas do ensino superior brasileiro representem perto de 20% dessa população, quando atentamos para a idade desses estudantes, vemos que apenas cerca 10% de nossos jovens estão cursando algum curso superior.

No caso brasileiro, essa questão se compõe com duas outras igualmente importantes. Uma delas, evidentemente, é garantir a qualidade do ensino ofertado aos estudantes. A outra diz respeito à relevância da formação e do conhecimento produzido no interior do nosso ensino superior, quando se consideram os desafios que nosso país enfrenta para alcançar seu desenvolvimento.

 

JP - Quais são as principais evoluções e o que ainda precisa melhorar?

EB - Alguns problemas no nosso ensino superior tem sua origem nos níveis mais baixos de ensino. Assim, a formação de professores é um desafio importante para nosso ensino superior, para o qual é preciso uma política clara, deliberada e concertada envolvendo diferentes atores políticos. Essa é uma seara onde a cooperação entre instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas é mais urgente. Isso porque a formação da grande maioria dos professores que atuam no ensino fundamental e médio, no Brasil, está a cargo das instituições privadas. E isso não é um defeito. Aqui o Brasil segue uma tendência mais ou menos universal. A universidade de pesquisa tem - na maior parte das experiências internacionais - um papel menor na formação de professores, que, em geral, fica à cargo de escolas específicas. Ora, a universidade pública brasileira - segue um modelo de instituição de pesquisa: o tipo de contrato dos docentes, sua carreira, e o sistema de recompensas dessas instituições tende a valorizar a atividade de pesquisa, a dedicação à vida acadêmica, publicações, etc. Esse tipo de ambiente institucional valoriza apenas marginalmente as atividades que são essenciais para a formação de um bom professor: didática, técnicas de aprendizagem; ao passo que as instituições privadas, em geral, tem uma carreira mais flexível, e tendem a valorizar mais o ensino, assim, essa é uma área onde a cooperação e complementaridade pode e deve ser buscada.

 

JP - Como a educação superior brasileira se compara àquela encontrada em outros países?

EB - Como disse acima, apenas 10% de nossos jovens estão cursando algum curso superior. Quando olhamos á nossa volta, e comparamos essa realidade com a de outros países - grandes e pequenos, desenvolvidos e em desenvolvimento - percebemos a distância que ainda nos separa das experiências exitosas, especialmente daqueles países em desenvolvimento que se posicionam de forma competitiva no cenário internacional. A Coréia se aproxima da universalização do ensino superior, com mais de 80% dos jovens matriculados em algum curso pós-secundário. Dinâmicas semelhantes estão presentes na maior parte dos países desenvolvidos, e mesmo em paises pobres, mas que almejam uma posição relevante no cenário mundial.

Ora a ampliação do ensino superior só é viável com uma estratégia de flexibilização e diversificação do ensino superior. Novas e diferentes instituições, com missões diversas, devem surgir e ter seu lugar reconhecido em valorizado no interior do ensino superior brasileiro.

Nosso sistema é bastante diferenciado. Infelizmente, porém, ele tende a ser valorizado a partir de uma única métrica: a grande universidade de pesquisa. Para nossa legislação, uma instituição que não é universidade, é uma anomalia, que por isso mesmo, precisa ser supervisionada e mesmo vigiada de perto. Ora, é evidente que, se queremos um ensino superior inclusivo, robusto e relevante para as realidades e interesses de nossa sociedade, esse sistema precisa se diversificar, e essa diversificação precisa ser valorizada.

Não é apenas o perfil de cada curso que é diferente. As próprias características das instituições bem sucedidas na oferta de cada tipo de carreira devem ser heterogêneas: é evidente que um curso que depende de uma forte interação com o mercado - como são cursos vocacionais como moda, design, gastronomia, entre outros - têm sua qualidade prejudicada quando entregue à responsabilidade de um corpo docente composto majoritariamente de professores em tempo integral e submetidos a uma carreira que valoriza essencialmente indicadores de desempenho acadêmico, tais como titulação, publicação. De forma inversa, cursos com perfil mais acadêmico produzem resultados pobres quando submetidos a um ambiente institucional incapaz de garantir os pressupostos mínimos para a produção acadêmica. Nesse último caso, o sucesso está sim, atrelado aos indicadores que usualmente são utilizados por nossas autoridades para aferir a qualidade do ensino superior: tempo integral, titulação, dedicação exclusiva, pesquisa básica, etc. Por isso, esses cursos não podem ser oferecidos com igual sucesso por um mesmo e único tipo de instituição. Portanto, a avaliação do ensino superior é uma tarefa cada vez mais complexa e colocar num mesmo e único ranking instituições de naturezas diversas não é uma boa resposta.

 

JP - No Brasil, além de aulas, as universidades também realizam pesquisas. Como a senhora vê essa questão? É positivo que isso ocorra ou o professor universitário deve apenas dar aulas e o pesquisador deve apenas pesquisar?

EB - Em si, pesquisa e ensino são incompatíveis? Em geral, não. De maneira geral, uma atividade beneficia outra, há sinergias positivas nessas duas atividades. Agora, todo professor de ensino superior precisa ser pesquisador também, para ser um bom professor? Aí é claro que a resposta é um solene não. Na verdade, pouquíssimos países subscrevem a tal da “indissociabilidade do ensino e da pesquisa” que virou uma espécie de cláusula pétrea aqui entre nós. Surpreendentemente, países tão diferentes como os Estados Unidos, a França, a Suécia, a Holanda, a Austrália, Coréia, e - hoje em dia - mesmo a Grã-Bretanha, não aceitam esse princípio. E não aceitam por uma simples razão: sistemas mais diversificados, tendem a abrir espaço e valorizar diferentes tipos de professores.

Por outro lado, países com pretensões hegemônicas globais ou regionais - como é o caso da França, ou dos EUA, valorizam demais a pesquisa do ponto de vista estratégico, para pulverizar recursos em centenas de milhares de pequenos projetos de pesquisa de relevância duvidosa.

Esses países tendem a concentrar o investimento de recursos de pesquisa em um número menor de instituições e profissionais, já que tendem a esperar resultados de alta qualidade e forte impacto. Alguns de nossos docentes, que fizeram sua pós-graduação fora, tendem a confundir a realidade que eles viveram nos grandes centros de pesquisa desses países, era a realidade de todo o ensino superior de lá. Nada mais enganoso. O ensino superior americano tem 4.400 instituições. Dessas, apenas cerca de 200 foram classificadas como "Research University" pela Carnegie Foundation no seu último survey, de 2005. Apenas outras 84 instituições são consideradas Doctoral granting institutions. Todas as demais tem sua vida acadêmica concentrada na docência, na graduação, ou no mestrado (acadêmico e profissional). A França, por outro lado, deliberadamente separa a carreira do professor, daquela do pesquisador, esta última enquadrada, avaliada, e suportada pelo CNRS. Ou seja, naquele país, um professor, pode ser pesquisador - e nesse caso tem dupla carreira; da mesma forma que um pesquisador pode ser um professor - mas uma situação não é condição necessária da outra.

 

JP - Como conciliar as duas atividades: aulas e pesquisas?

EB - Pesquisa relevante e bem sucedida exige tempo, dedicação, recursos e infra-estrutura. Um laboratório de ensino não responde às necessidades de um pesquisador profissionalizado, embora possa ser bastante útil para suportar os primeiros projetos de pesquisa de um jovem doutor. Por isso mesmo, não é possível exigir pesquisa de todo professor e de todas as instituições. Não é necessário ser um pesquisador para ser um bom professor. Para ser um bom professor, é preciso dominar a didática, o conteúdo substantivo da sua área, e permanecer atualizado com a literatura nacional e, se possível, internacional. Ensino e pesquisa se complementam até certo ponto, mas há evidentes atritos. À medida que um pesquisador cresce na atividade de pesquisa, internacionaliza sua produção, ganha visibilidade, sua disponibilidade para o ensino é menor. Primeiro porque tende a expressar suas inquietações em uma linguagem mais esotérica, pouco compreensível para o aluno de graduação. Segundo porque sua agenda de compromissos associados à pesquisa tende a crescer, prejudicando seus compromissos didáticos, principalmente se sua carga didática ultrapassa um dia da semana. A própria disponibilidade do pesquisador para as atividades ligadas ao ensino - tais como a preparação de aulas, a correção de provas e trabalhos, o acompanhamento do trabalho dos alunos, diminui. Enfim, no limite essas atividades podem se tornar incompatíveis, mesmo.

Ainda assim, para a maioria dos professores-pesquisadores abrigados em universidades que oferecem contratos que valorizam a pesquisa e exigem uma carga didática baixa - essas duas atividades não são incompatíveis. Mas essa realidade não é realidade vivida pela maioria dos professores em nenhum sistema de ensino superior massificado. Por uma razão muito simples: esse é um modelo de instituição insuportavelmente caro. Veja por exemplo a Argentina: a maior parte dos estudantes argentinos (cerca de 80%) são atendidos por universidades públicas. Mas a universidade pública da Argentina não tem as mesmas características da universidade pública brasileira: lá mais de 70% dos professores são contratados por hora-aula ou em tempo parcial. E mesmo para muitos daqueles contratados em tempo integral, o salário é tão baixo que um segundo emprego é quase uma necessidade. Então, ela não é uma universidade de pesquisa e, sim, uma instituição de ensino, com ambientes insulados de pesquisa muito bem sucedidos.

(Renata Chamarelli)

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