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JORNAL
Edição 123 - Ações de Inclusão na Escola
31/03/2016
 
ou

Cláudio Roberto Baptista (UFRGS): “Os benefícios da inclusão escolar são muitos”

Para Baptista, a inclusão escolar tende a contribuir para diminuir o preconceito

Para Baptista, a inclusão escolar tende a contribuir para diminuir o preconceito

Autor:Arquivo pessoal


Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na área de educação especial, Cláudio Roberto Baptista leciona no curso de licenciatura em pedagogia e no programa de pós-graduação em educação. Além disso, coordena o Núcleo de Estudos em Políticas de Inclusão Escolar (Nepie) da universidade. Doutor em educação pela Universidade de Bolonha (Itália), com graduação em psicologia e mestrado em educação, ele tem experiência em educação especial, inclusão escolar e políticas de inclusão.

Em entrevista ao Jornal do Professor, Baptista diz que os benefícios da inclusão escolar são muitos. Ele destaca a possibilidade de novas perspectivas de aprendizado e de vida cotidiana para pessoas antes afastadas das escolas regulares. Cita, ainda, a oportunidade oferecida pela inclusão para os estudantes aprenderem que as limitações são de ordem variada e que uma pessoa com deficiência tem limitações, mas dispõe de recursos.

Na visão de Baptista, entretanto, para que a educação das pessoas com deficiência ocorra no ensino comum são necessárias muitas mudanças, relativas ao currículo, à avaliação e à flexibilização do ensino. (Fátima Schenini)

 

Jornal do ProfessorO que é inclusão escolar e quais são seus maiores benefícios? Ela é benéfica a estudantes com qualquer tipo de deficiência?

Claudio Roberto Baptista – A inclusão escolar é uma perspectiva pedagógica que pode ser compreendida como uma ampliação da escolarização obrigatória para todas as crianças. A escola nem sempre foi destinada a todos e, ao longo de sua história, tem se mostrado uma instituição que tende a selecionar muito os alunos. Discutir inclusão escolar é também questionar a escola que responsabiliza exclusivamente o aluno por seus fracassos e exigir que essa instituição seja concebida como mutável e, portanto, com capacidade de reinventar suas práticas. Embora reconheça a abrangência da perspectiva, considero que se possa afirmar que inclusão escolar diz respeito à educação das pessoas com deficiência ou transtornos de ordem psíquica, quando esse percurso ocorre em modo conjunto com os demais indivíduos. Para que a educação das pessoas com essas características ocorra no ensino comum, há muitas mudanças necessárias relativas ao currículo, à avaliação e à flexibilização do ensino. Temos, portanto, dois elementos centrais: o espaço da escolarização e as mudanças que viabilizam a ocupação desse espaço. Atualmente, temos muitas experiências documentadas, que mostram a viabilidade e os efeitos tendencialmente positivos desse tipo de opção pedagógica, tanto no contexto brasileiro quanto no cenário internacional. Os benefícios são muitos, pois tende-se a oferecer novas perspectivas de aprendizado e de vida cotidiana para sujeitos que antigamente eram afastados das escolas regulares. Os alunos aprendem que as limitações são de ordem variada e que uma pessoa com deficiência não tem apenas limitações, mas também dispõe de recursos. A escola, ao buscar alternativas para a escolarização dos alunos com deficiência, acaba favorecendo também outros que viviam em condições de marginalização mais branda dentro das salas de aula. Quando nos perguntamos sobre quem pode ser incluído, não consideramos o que devemos investir em uma separação em dois grupos, sendo que um deles teria restrições para esse processo. Todos podem ser incluídos, mas é possível que para um grupo muito reduzido de alunos haja necessidade de aproximação processual.

Nego-me a participar de um debate sobre os critérios de seleção para a inclusão. Não acredito que a possibilidade de inclusão esteja condicionada à gravidade do comprometimento do sujeito, embora reconheça que essa tenha sido a direção predominante do debate sobre o tema. Destaco a necessidade de reconhecermos que a limitação do outro nos compromete, nos implica necessariamente. As dificuldades de um aluno surdo que usa língua de sinais não estão associadas apenas ao aluno, mas envolvem também a nossa incapacidade de nos comunicarmos com ele. A alteração no contexto, com a inserção de dinâmicas que permitam as trocas e a aprendizagem recíproca, tende a alterar a condição de gravidade da situação. O mesmo raciocínio vale para um aluno com autismo. Suas dificuldades serão intensificadas em um ambiente que desconhece suas características, mas podem diminuir diante de alguns cuidados, como a identificação de suas formas de se comunicar ou o respeito a sua sensibilidade a alterações no ambiente.

A inclusão escolar contribui para diminuir o preconceito?

– Sim, tende a contribuir porque, ao propor que em um mesmo grupo possam estar crianças ou pessoas com diferentes competências acadêmicas, rompe-se com a ideia de uma homogeneização que de fato nunca existiu. Em geral, as classes têm uma constituição muito diferenciada, e isso não deveria ser visto como algo prejudicial ao trabalho pedagógico e ao aprendizado. Prejudicial é a suposição de que todos devem avançar no mesmo ritmo e produzir os mesmos resultados. Os efeitos dessa exigência foram desastrosos. No Brasil, tivemos épocas em que 50% dos alunos eram reprovados na passagem do primeiro para o segundo ano do ensino fundamental. Será possível supor que se trata de incapacidade apenas do aluno? Ao investir em dinâmicas mais atentas às singularidades dos alunos podemos favorecer a aprendizagem de todo o grupo. Por outro lado, ao indicarmos a classe comum para um aluno com deficiência estamos comunicando a essa criança: “Você pode”. Isso é a base de qualquer processo construtivo. Naturalmente, essa disposição inicial exige acompanhamento, ajustes, apoios que podem ocorrer dentro e fora da sala de aula. O afastamento desse aluno dos contextos comuns tende a intensificar o preconceito porque impede que ele seja reconhecido como uma pessoa com tudo que se associa a essa condição humana – potência, limite, insatisfação, desejo, habilidades etc. Para compreendermos a mudança em termos de preconceito, devemos estar atentos a uma dinâmica circular na produção dessa dinâmica: se eu comunico ao outro “você pode”, há uma grande probabilidade de que suas respostas sejam mais compatíveis com essa expectativa e que os outros indivíduos o vejam como “competente”. Essa percepção do coletivo estimula novas respostas, que tendem a minimizar a força do preconceito.

Quais as principais dificuldades para que as escolas adotem a inclusão?

– As dificuldades iniciam-se no nosso modo de conceber a escola e os processos de escolarização, avançando para o desafio de alterar os processos de uma instituição que tende a se manter rígida. Temos muito a avançar no modo como são organizadas nossas escolas e nossas salas de aula. Naturalmente, esse modo de organização tem contínua relação com o funcionamento da sociedade na qual a escola se insere. A grande “produção” de indivíduos não escolarizados deveria ser suficiente para nos mostrar que a escola não tem cumprido sua principal função, quando consideramos os alunos em geral. Para aqueles que apresentam dificuldades na aprendizagem, como ocorre com muitos alunos com deficiência, a situação se agrava. Para tais alunos deveríamos oferecer “mais” – ensino comum e apoio especializado. No entanto, temos oferecido “menos”, ou seja, isolamento e permanência em instituições que pouco desafiam os alunos. Trata-se de um contrassenso. A maioria dos alunos que eu conheço necessita de uma escola que considere suas características, seu conhecimento prévio sobre os argumentos ensinados, sua necessidade de ser respeitado como todos os aprendizes. Ou seja, como pessoas que aprendem em modo absolutamente singular e individual. Em uma sala de aula, mesmo em uma aula expositiva, cada aluno tem uma experiência de aprendizagem diferente ao ouvir o professor. Quando pensamos em uma sala de aula com muitas atividades que acontecem concomitantemente, mantida uma articulação entre elas por meio de um projeto global, conseguimos imaginar ações que estão em relação entre si, mas não são necessariamente as mesmas. A ideia de um grupo de alunos trabalhando contemporaneamente a partir das mesmas tarefas é uma invenção da escola que conhecemos, mas pode ser alterada. O grande desafio é que esse processo não tem nada de linear: não podemos prever quais passos devem ser feitos previamente. Temos de mudar tudo ao mesmo tempo, pois cada mudança impulsiona as demais. Alguém conseguiria acreditar que uma escola poderia se preparar para a inclusão sem ter alunos com deficiência nela matriculados?

Os futuros professores saem das instituições superiores de ensino capacitados para atuar nessa área?

– Esse é um aspecto muito importante de ser considerado. Tenho insistido muito junto àqueles que podem favorecer essas mudanças para que nossa base legal se altere no sentido de valorizar essa capacitação. Vivemos um paradoxo, pois a lei brasileira, desde 2009, dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino comum, com apoio especializado complementar, para os alunos com deficiência. Essa diretriz é clara quando analisamos os dispositivos aprovados pelo Conselho Federal de Educação, como a Resolução nº 4, de 2009. No entanto, ainda não temos uma lei que assegure que todos os cursos de formação de professores incluam obrigatoriamente ao menos uma disciplina associada à inclusão escolar e à educação especial. Espera-se que a temática possa ser contemplada em diferentes disciplinas, o que nem sempre ocorre. Felizmente, há instituições que acolheram essa importante necessidade, como fez a UFRGS, ao aprovar resoluções internas que asseguram esse espaço formativo na formação dos futuros professores. Na UFRGS existe uma resolução, de 2004, implementada em 2009, que institui uma disciplina obrigatória nos cursos de licenciatura. Considero que esse debate não pode ficar restrito à formação inicial e deve ser amplamente aprofundado na formação continuada dos professores. Trata-se, portanto, de uma questão que não se limita às instituições formadoras. Os sistemas de ensino devem prever que haja espaços de formação sobre o tema, auxiliando os docentes no sentido de aproximar os desafios encontrados em sala de aula de buscas de respostas em espaços de assessoria e de formação.

O senhor coordena projetos de pesquisa sobre políticas de inclusão escolar no Rio Grande do Sul. De maneira geral, como está a situação nos municípios gaúchos com relação a esse assunto?

– Nossos projetos têm investigado a política educacional brasileira no que se refere ao avanço da inclusão como diretriz quando se trata da escolarização dos alunos com deficiência. Como tem se alterado a legislação nos diferentes sistemas de ensino? Quais têm sido os investimentos prioritários em termos de oferta de apoio especializado? Como tem sido a distribuição do alunado em termos de espaços de escolarização? Quais têm sido as características e as diretrizes da formação continuada dos professores? Parte-se do reconhecimento de que houve grandes programas ministeriais buscando colocar os sistemas públicos, principalmente aqueles municipais, em sintonia com as diretrizes favorecedoras da inclusão escolar defendidas pelo Ministério da Educação. Temos excelentes diretrizes legais, mas dependemos das alterações políticas que garantam matrículas e, principalmente, que ofereçam os apoios necessários aos alunos e aos professores.

Nosso principal projeto atualmente é vinculado ao programa Observatório da Educação (Capes–Inep) e investiga o atendimento educacional especializado em municípios do Rio Grande do Sul. Quando analisamos os serviços e as matrículas, percebemos que tem ocorrido uma intensificação dos processos de inclusão, com aumento de matrículas no ensino comum em todos os municípios investigados. No entanto, há uma variação no ritmo desse processo, pois cada contexto tem uma história singular. Temos municípios, como São Borja, por exemplo, que reduziram drasticamente as matrículas em escolas especiais. Outros mostram uma redução menos acentuada. Destacam-se também as alternativas de oferta de apoio especializado, com alguns municípios dedicando mais atenção à educação infantil ou ainda contratando profissionais para o cargo de intérpretes de libras [língua brasileira de sinais]. Em todos os casos, houve um grande aumento do número das salas de recursos, as quais apoiam, em modo complementar, os alunos com deficiência. Parte desse processo descrito está acessível no livro Escolarização e Deficiência: Configurações nas Políticas de Inclusão Escolar, disponível on-line, no formato e-book.

Como está o nosso país, em comparação aos demais países, com relação ao tema inclusão escolar?

– Atualmente, as políticas educacionais, no Brasil e no mundo, recomendam a implantação de serviços complementares, como as salas de recursos, e não mais as classes e escolas especiais. Em outros países, como ocorre no Brasil, há uma progressiva ampliação da escolarização das pessoas com deficiência no ensino comum. No caso brasileiro, houve uma drástica intensificação dessas matrículas na última década. O país tinha, segundo o Censo Escolar, 13% dos alunos com deficiência no ensino comum em 1998. Esse percentual passou a 85% em 2013. Esses indicadores nos aproximam, no que diz respeito à matrícula, da situação vivida na Inglaterra ou na Espanha. No cenário internacional, uma exceção é a Itália, que conta com uma política nacional que garante a inclusão, sem restrições, desde os anos 1980. Esse país tem sido alvo de investimento de nossos estudos. Além da formação em doutorado na Universidade de Bolonha, nos anos 1990, estive na Itália durante parte de 2015, para um estágio. Posso assegurar que essa política se mantém. Para que essas mudanças ocorram são necessários apoios complementares, como espaços de atendimento, professores especializados em ação conjunta com professores regentes, mudanças no sistema de avaliação e de planejamento. Considero que o conhecimento e a análise de experiências diversificadas seja o melhor caminho para avançarmos.

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