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JORNAL
Edição 88 - Educação Infantil
13/06/2013
 
ou

Taciana Mirna Sambrano (UFMT): "binômio cuidar-educar precisa ser vivenciado de fato"

O binômio cuidar-educar precisa ser vivenciado no cotidiano das escolas de educação infantil

O binômio cuidar-educar precisa ser vivenciado no cotidiano das escolas de educação infantil

Autor:Arquivo pessoal


Coordenadora do Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) do Ministério da Educação em Mato Grosso, Taciana Mirna Sambrano ressalta a importância do programa, que formou cerca de 700 professores no estado de 2009 a 2011. “A primeira etapa da educação básica não pode mais ficar sujeita a pessoas bem intencionadas apenas ou a funcionários que trabalham com crianças como se esse fazer fosse menor”, destaca.

Taciana enfatiza a importância da formação e da capacitação de profissionais para atuação na educação infantil e diz que o binômio cuidar-educar “precisa ser vivenciado de fato no cotidiano das instituições que atendem educacionalmente crianças menores de seis anos”.

Pedagoga, com doutorado em educação escolar, pesquisadora nas áreas de educação infantil e da relação família-escola, Taciana é professora do Departamento de Ensino e Organização Escolar do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, câmpus de Cuiabá.

Jornal do Professor — O que é educação infantil e qual importância ela tem?

Taciana Sambrano — Uma das melhores formas de conceituar a educação infantil, sem passar por concepções teóricas, é valer-se do que ficou estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, alterada pela Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de2006). O artigo 29 preconiza: “a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. A partir do exposto, pensar a importância da educação infantil remete à reflexão sobre o caráter educacional da primeira etapa da educação básica para que se possa promover, de fato, o desenvolvimento integral da criança menor de seis anos por meio de práticas didáticas fundamentadas nos princípios éticos, estéticos e políticos, como bem definido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, promulgadas em 1999, por meio da Resolução nº 1 da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Nesse sentido, não cabe mais a discussão sobre a dicotomia assistencial versus educacional no âmbito da educação infantil. As pesquisas têm demostrado que a educação para a infância envolve a sistematização dos saberes que serão transmitidos também para as crianças pequenas. Para além de ter se tornado um jargão entre os professores — prática muito comum na educação em geral —, o binômio cuidar-educar (expressões que encerram em si sentidos próprios, mas que de forma alguma podem ser separadas quando se trata da educação infantil, sob pena de se diferenciar atendimentos, faixas etárias das crianças e espaços em que a atuação profissional acontece) precisa ser vivenciado de fato no cotidiano das instituições que atendem educacionalmente crianças menores de seis anos.

Historicamente, o atendimento institucional a crianças pequenas, desde sua gênese, foi pensado a partir de nomenclaturas que assumiam caráter definidor de sua importância e fundamentavam o trabalho efetivado junto às crianças. Ou seja, desde a origem, convivemos com instituições denominadas creches e pré-escolas ou, ainda, hoteizinhos, centros de educação infantil e jardins de infância, entre tantos outros.

Não convém retomar esse amplo debate histórico, sob pena de dizer mais do mesmo. No entanto, parece importante ressaltar a atualidade do debate sobre a nomenclatura das instituições na medida em que, ainda nos tempos atuais, o grande desafio que a educação destinada a crianças menores de seis anos em ambiente coletivo enfrenta é a segmentação de concepções e de trabalho: segmentação da identidade dos profissionais, das políticas sociais destinadas às crianças e às famílias, do atendimento às crianças a partir de determinada faixa etária, segmentação de instituições que funcionam em prédios separados, de período de atendimento, de salário dos profissionais, de formação exigida destes. Enfim, a segmentação de ideias está, infelizmente, arraigada à educação infantil desde sua gênese, e é mister que desafios sejam superados a fim de que se encontre a integração na educação voltada à infância.

Discutindo, ainda que de forma incipiente, os pontos nevrálgicos da educação infantil acima citados, começo pelo primeiro deles, que é a concepção de criança como ser único, indivisível, que não pode ser pensada apenas a partir da lógica do cognitivo e da aprendizagem de conceitos relacionados intrinsecamente à alfabetização no sentido estrito da palavra. Há que se pensar em uma criança que se desenvolve social, cognitiva, física e emocionalmente. Em cada idade do ser humano há uma forma específica por meio da qual se relaciona com o mundo. A criança pequena se relaciona atribuindo significado e sentido ao que vive. Primeiramente, pelo comportamento emocional para, a partir dele, relacionar-se utilizando a linguagem. Mas essa linguagem não é, de início, a oral e a escrita, como tem exigido a instituição de educação infantil, sobretudo a destinada a crianças de quatro e cinco anos. Antes e concomitante a ela, a criança se expressa por meio de muitas e diferentes linguagens, como expressão oral por meio de poemas, músicas, desenho, pintura, teatro de fantoches, colagem, faz-de-conta, construção com retalhos de papel, tecido, madeira, argila, massa de modelar. A necessidade de expressão surge do que as crianças veem, ouvem, vivenciam, descobrem e aprendem na instituição de educação infantil. A criança pequena se expressa, sobretudo, por meio da brincadeira livre e esta precisa se dar em espaços amplos, arejados, com possibilidades de brincadeira com pares de mesma idade ou não, em espaços com areia, água, materiais e brinquedos selecionados por profissionais.

Ao falar de profissionais, entra-se em outro ponto de segmentação. A educação infantil abarca a creche e pré-escola, e essa divisão na legislação é antes de tudo metodológica — significa que existem especificidades de atendimento a crianças menores e maiores de três anos. Mas, sobretudo, significa que não deve haver separação entre crianças de creche, como provenientes de camadas mais pobres da população, e de pré-escolas, para crianças de camadas mais abastadas. Essa divisão por faixa etária não pressupõe atendimento parcial às crianças maiores de três anos, não pressupõe que os profissionais que trabalham nas creches não devam ser formados, que não tenham um trabalho intencional e planejado a ser feito, que mereçam ganhar menos e que não sejam vistos a partir da identidade de professores. Esses são os maiores desafios para a educação infantil que assolam a primeira etapa da educação básica desde sempre e em todo o país — entendimento equivocado de que a atuação profissional junto a crianças menores de seis anos reflete um trabalho menor, mais simples e que, portanto, pode ser feito por pessoas sem formação, em espaços que não refletem a preocupação com a infância, que não integram as faixas etárias até cinco anos, que não enxergam a infância como um momento de formação social e cultural das crianças a partir dos princípios éticos, estéticos e políticos da educação infantil.

Alguns pais não consideram a educação infantil importante e necessária para os filhos, pois acreditam que as crianças só vão à escola para brincar. Quais os principais conteúdos desenvolvidos nessa etapa? Qual a importância das brincadeiras para o desenvolvimento infantil?

— Minha maior preocupação não é o que os pais pensam a respeito da educação infantil, visto que nessa relação eles não são os profissionais responsáveis pela educação infantil institucionalizada, sistematizada, planejada a partir de uma intencionalidade educativa. Eles são os pais que querem, obviamente, que seus filhos sejam os mais bem preparados do contexto em que se inserem. Minha preocupação incide sobre a falta de clareza dos profissionais que atuam nas instituições de educação infantil, pois estes, sim, têm o dever de reconhecer — e atuar a partir dessa premissa — a educação como caráter inalienável da criança e condição para que seu processo de humanização seja pleno, como indica a perspectiva histórico-crítica. A educação infantil implica aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados também. O professor na educação infantil planeja e sistematiza, intencionalmente, o trabalho educativo junto às crianças, pois na instituição de educação infantil — de caráter educacional e que integra o sistema de ensino — não se realiza o mesmo trabalho que qualquer outra instituição social pode fazer. Ou seja, creche ou pré-escola tem o dever de proporcionar e garantir às crianças o que elas não têm em seu cotidiano familiar.

Um professor ciente de que seu trabalho intencional — portanto, profissional — junto às crianças promove o desenvolvimento integral delas é o que se espera e deseja para a educação infantil. A primeira etapa da educação básica não pode mais ficar sujeita a pessoas bem intencionadas apenas, ou a funcionários que trabalham com crianças como se esse fazer fosse menor. Nossas crianças merecem e precisam de profissionais formados e capacitados para atuar nessa etapa da educação. A diferenciação entre o que se faz na educação infantil e nas etapas subsequentes da educação básica incide nos aspectos metodológicos da atuação profissional em respeito às características específicas da faixa etária atendida. Sob esse aspecto reside a importância da brincadeira povoando as instituições de educação infantil, garantindo às crianças o que elas têm de mais específico, singular e complexo: ser crianças (animadas, tagarelas, brincalhonas, solidárias, criativas etc., desde que o contexto e, sobretudo, os adultos que com elas convivem proporcionem a vivência destas potencialidades).

Uma das linhas de pesquisa de sua atuação é a relação família e escola. Qual a importância da participação da família nas instituições de educação infantil?

— Pensar na relação que a família estabelece com a escola é retomar o papel fundamental que as duas instituições desempenham no desenvolvimento das crianças, na medida em que ambas têm tarefas importantes, distintas e complementares, sendo a relação entre elas indispensável, complexa e desafiadora. Por serem espaços privilegiados e únicos, onde a vida cotidiana infantil acontece, espera-se das duas instituições a construção da identidade da criança, da inclusão na sociedade em que vivem, da promoção de vínculos de pertencimento. Ou seja, família e escola são os primeiros mundos da criança e seus primeiros espelhos. No entanto, os papéis não se confundem. Como citado acima, de um lado temos pais com expectativas, afetos e anseios próprios em relação aos filhos; de outro, profissionais que, intencionalmente, são responsáveis por promover o desenvolvimento infantil — complementando e não substituindo — a ação da família. Os papéis não podem ser confundidos, mas há de se pensar que no meio da relação existe a criança, e suas aprendizagens e desenvolvimento não podem ser negligenciados por adultos que ainda não definiram o que cabe a cada um nessa relação.

Por ser considerada a primeira transição da família para o ambiente educacional coletivo, a entrada das crianças na educação infantil tem sido caracterizada como momento de extrema validade para as experiências infantis, merecedor de atenção, participação e envolvimento dos pais, de forma mais presente e acentuada nessa etapa da educação básica do que nas subsequentes. A forma de se efetivar tal envolvimento e participação pressupõe disponibilidade dos envolvidos, conhecimento sobre maneiras de se garantir tal relação e, sobretudo, alinhamento das expectativas que os representantes das instituições têm uns sobre os outros em relação à criança e seu desenvolvimento.

— A senhora coordena o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil) em Mato Grosso. Como está o desenvolvimento no estado?

— O Proinfantil formou em nível médio, entre 2009 a 2011, quase 700 professores da rede pública que já atuavam na educação infantil em Mato Grosso, porém sem formação. Desenvolvido em parceria pela Universidade Federal de Mato Grosso, Ministério da Educação e secretarias estadual e municipais de Educação, o programa esteve presente em 58 municípios mato-grossenses. Sua importância na vida profissional — e pessoal — de todos os envolvidos excede o que se pode mensurar em números de pessoas formadas, bem como excede as metas explicitadas inicialmente pelos planos de trabalho estabelecidos entre as agências parceiras. Na tentativa de apresentar a riqueza conquistada pelo programa no estado, organizou-se um banco de dados coletados junto aos profissionais envolvidos na condução do programa nos 58 municípios alcançados, composto por fotos de todas as instituições em que havia cursistas do programa, além de depoimentos, em vídeo, de mais de 600 profissionais que fizeram o curso de formação inicial

Após a conclusão do Proinfantil e com base nos dados coletados durante a execução, é possível reiterar a necessidade de habilitação e qualificação dos recursos humanos que atuam na educação infantil como condição sine qua non para a melhoria da qualidade da educação e dos cuidados oferecidos em ambiente coletivo e institucional à criança menor de seis anos. É possível afirmar que Mato Grosso, com o Proinfantil, vive um momento de particular importância, capaz de definir os rumos do desenvolvimento pela articulação de diferentes esferas (federal, estadual e municipal) que objetivam a qualificação profissional e a conquista de aspectos de qualidade para a primeira etapa da educação básica. O trabalho realizado pelo Proinfantil coaduna-se com a necessidade de um projeto de educação infantil que privilegie seu papel pedagógico, considerando o que é específico da ação nessa faixa etária.

Acesse as páginas do Instituto de Educação da UFMT e do Proinfantil na internet

 

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