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JORNAL
Edição 90 - Estímulo à Leitura
08/08/2013
 
ou

Marisa Lajolo: "Professores precisam gostar de ler"

Professora do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora-colaboradora voluntária na Universidade de Campinas (Unicamp), Marisa Philbert Lajolo defende a necessidade de os professores serem ótimos leitores. “Quem não gostar de ler, melhor escolher outra profissão”, salienta a professora, que desenvolve pesquisas principalmente nas áreas de história da leitura e literatura infantil e juvenil.

Com bacharelado e licenciatura em letras, mestrado e doutorado em teoria literária e literatura comparada pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado pela Brown University, dos Estados Unidos, Marisa tem inúmeras obras publicadas.

Jornal do ProfessorQual é a importância da leitura e o que fazer para estimular esse hábito no país?

Marisa Lajolo — Em relação à leitura, prefiro falar em “desenvolver práticas” em vez de falar em “estimular o hábito”. Hábito tem um componente de automação que não se aplica à leitura.

O Brasil tem um atraso secular em termos de leitura. A política colonial portuguesa foi obscurantista. Só pudemos produzir impressos no século 19, quando D. João VI refugiou-se aqui, corrido de Napoleão. Assim, livros e leitura são como corpos estranhos em nossa tradição cultural. Depois, os vários sistemas educacionais e políticas culturais que aqui se implantaram não conseguiram compensar os três séculos de atraso. Pesquisas relativas a este nosso século 21 sugerem isso.

É necessário um investimento maciço na formação de professores para que a escola possa ser aliada no projeto de tornar o Brasil um país de leitores. Hoje, as escolas recebem livros. Prefeituras, estados e União compram muitos e bons livros. Mas nem sempre os educadores sabem o que fazer com eles. Alguns os guardam a sete chaves, com medo de os alunos os estragarem. Além de a escola precisar deixar os livros acessíveis, os professores precisam ser leitores. Precisam gostar de ler. Precisam saber discutir livros. Precisam ter livros em casa. Precisam, enfim, aprender a ser bons, ótimos leitores.

Qual o papel da família na formação do leitor?

— A família, como parte de uma comunidade maior, pode ser sensibilizada para práticas de leitura. Mas que não se espere muito. Independentemente de classe social e renda, a leitura doméstica parece fazer parte do dia a dia apenas de muito poucas famílias. A Secretaria de Educação de Atibaia, município do interior paulista, desenvolveu experiências que levaram projetos de leitura para além de slogans, publicidade e frases de efeito. A médio e longo prazo, elas parecem dar resultados, se acreditarmos no valor do Ideb [índice de desenvolvimento da educação básica] como avaliador da competência de leitura de crianças e jovens do Brasil.

Uma experiência desenvolvida em Atibaia foi organizar, mensalmente, uma praça de leitura na cidade. A Secretaria de Educação montou um acervo de bons livros de todos os tipos — autoajuda, culinários, religiosos, antologias, infantis, policiais, clássicos da literatura universal, poesia, histórias de aventuras, crônicas etc. Escolhia-se uma praça que, num sábado de manhã, recebia bancas e estantes para exposição dos livros. O critério de escolha da praça era a proximidade com escolas. Estas preparavam pequenas peças, números musicais ou declamações de poesia — sempre atividades que se iniciavam com leitura de livros — a serem apresentados na praça. A população, mediante documento, podia levar livros para casa e devia devolvê-los, em três semanas, em uma das escolas próximas da praça. A perda de livros foi mínima. Várias regiões da cidade reivindicavam praças de leitura. Foi instrutivo e comovente, para educadores e profissionais ligados a questões de cultura, ouvir da população comentários surpresos e favoráveis relativos à variedade de formatos e de tamanhos dos livros, tipos de ilustração, gratuidade do empréstimo, confiança na devolução, expectativas criadas por um ou outro título e pedidos de sugestões de leitura.

Outra experiência foi a distribuição, no Dia do Trabalho, a todos os funcionários da prefeitura, de um livreto, um impresso fininho e que cabia no bolso, com contos sobre trabalho e trabalhadores. Outra experiência foi o sorteio de livros, em algumas escolas, durante reuniões de pais e mestres, antecedendo o sorteio uma conversa sobre leitura e sobre os livros a serem sorteados. A ideia desta conversa inicial era despertar vontade de ler o livro.

As instituições de educação superior preparam os novos professores para estimular a leitura entre os alunos?

— Geralmente, a formação de professores na universidade fica por conta de faculdades de educação e de pedagogia cujo currículo não costuma contemplar, salvo, é claro, as eventuais honrosas exceções, disciplinas voltadas para a formação de profissionais habilitados ao trato de línguas e linguagens, domínios essenciais para lidar com questões de leitura e de escrita. No caso dos cursos de letras que conheço melhor — o do Mackenzie e o da Unicamp —, há disciplinas voltadas para a preparação do professor como mediador de leitura, além de algumas iniciativas, das quais alunos de graduação participam, voltadas para leitura e escrita no ensino fundamental e médio. Literatura infantil também é disciplina de Letras. Uma questão interessante e alvissareira é o elevado número de alunos que procuram a pós-graduação em áreas que contemplam licenciatura, como a de letras, com o objetivo de desenvolver projetos voltados para questões de ensino.

A realização de eventos, como feiras de livros, contribui para disseminar o hábito da leitura? Por quê? Que outras atividades poderiam ser desenvolvidas?

— Eventos pontuais não me entusiasmam muito. No entanto, é bom que livros e escritores estejam na mídia. Não creio, entretanto, que a exposição midiática tenha consequências positivas diretas na formação de leitores.

A internet mudou o perfil do leitor? Ela pode ser uma aliada do professor no estímulo à leitura? De que forma?

— O mundo digital favorece a leitura. A interação, quer nas redes sociais, quer em sites e em games, se faz muitas vezes através de comandos escritos, ainda que nem sempre a escrita seja a verbal. A cultura digital pode e deve ter entrada na sala de aula. Mas, insisto: como acredito que ocorra com a leitura livresca, muitos educadores não estão suficientemente familiarizados com telas e teclados para se sentirem à vontade usando-os como instrumento de trabalho. Penso que programas experimentais, na modalidade de ensino a distância, de capacitação de professores como mediadores competentes de leitura seriam muito interessantes. Tais programas, voltados para disciplinas relacionadas a leitura e escrita, deveriam valer-se de internet, e-books, pesquisas em bancos de dados eletrônicos, enfim, das ferramentas que o mundo digital oferece.

Programas assim concebidos, desenvolvidos e rigorosamente avaliados, acompanhados de facilidade de acesso a computadores, permitiriam testes empíricos de diferentes plataformas e ajudariam no desenvolvimento do know-how necessário se quisermos mesmo superar aqueles 300 anos de atraso com que chegamos ao mundo do livro e da leitura.

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