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JORNAL
Edição 92 - Estímulo à Matemática
25/09/2013
 
ou

Miriam Cardoso Utsumi (USP): "O aluno se apaixona quando domina a linguagem matemática"

Quando o aluno domina a linguagem matemática, se apaixona pela disciplina

Quando o aluno domina a linguagem matemática, se apaixona pela disciplina

Autor:Arquivo pessoal


Com graduação em matemática, mestrado e doutorado em educação, Miriam Cardoso Utsumi é professora do Departamento de Matemática do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), câmpus de São Carlos. Ela leciona as disciplinas de ensino de matemática por múltiplas mídias e metodologia da pesquisa em educação matemática. É ainda orientadora do Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (Profmat). Também integra o projeto de pesquisa Inovando na Formação de Professores de Matemática e de Ciências Exatas: Associação Teoria-Prática-Estágios.

Na visão de Miriam, a matemática só é temida pelo estudante enquanto ele não compreende seu funcionamento. "Quando o aluno domina essa linguagem, ele enxerga as potencialidades de leituras de mundo que pode fazer e se apaixona pela disciplina", afirma.

Jornal do Professor O que é necessário para ser um bom professor de matemática? Ele deve ter características especiais?

Miriam Utsumi — Um bom professor de qualquer disciplina deve ter, além do conhecimento específico da matéria, os conhecimentos de como transformar esse conteúdo científico em conteúdo escolar. Esse conhecimento não advém apenas do curso de formação de professores, mas da experiência diária do professor com seus alunos, das experiências dele enquanto aluno, do seu interesse e busca por novas metodologias, materiais didáticos. Enfim, de uma conjugação de fatores.

Por que a matemática é uma das disciplinas mais temidas pelos estudantes?

— Porque a matemática tem uma linguagem com sintaxe própria e um pouco abstrata para os aprendizes. Compreender como essa linguagem funciona, os significados das unidades que a compõem, dá trabalho, principalmente no início. Se a base não for compreendida, tudo o que vem depois fica difícil de entender. Daí muitos alunos optarem por memorizar e repetir, sem compreensão. Essa situação gera desconforto, ansiedade e mal-estar que podem ser transferidos para a disciplina, para o professor que a ministra, para a escolha de uma profissão que use pouca matemática. Entretanto, quando o estudante domina essa linguagem, ele enxerga as potencialidades de leitura de mundo que pode fazer e se apaixona pela disciplina.

É possível derrubar a barreira que há entre alguns estudantes e a matemática, de modo que eles passem a se interessar mais pela disciplina? De que maneira isso pode ser feito?

— Claro que sim. Há um bom tempo, os educadores matemáticos vêm investigando e sugerindo caminhos para desmitificar a matemática como "bicho de sete cabeças" ou a ideia de que "os alunos não gostam de matemática". Na USP, em São Carlos, participamos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), no qual os licenciandos vão às escolas para trabalhar conteúdos de matemática de forma diferenciada, mais dinâmica, usando outras mídias. Além da participação ativa no planejamento semestral e na sala de aula (uma hora de aula por semana em duas turmas de uma série), há outras inserções. Uma delas, no intervalo do almoço (12h30 às 13h20) da Escola Sebastião de Oliveira Rocha. Os licenciandos levam jogos didáticos de matemática à quadra da escola. Alguns estudantes até se esquecem de almoçar. Entre as opções, estão Samurai Jack e as Equações e os Jogos no Intervalo da escola.

Para comemorar o Dia da Matemática, em maio, reunimos no câmpus cerca de 450 alunos das três escolas que participam do Pibid para atividades recreativas, narração de histórias matemáticas, gincana matemática, demonstração de experimentos de óptica, oficina de robótica e palestras para os maiores, além de visita ao Observatório. Um vídeo mostra um funk criado pelos alunos do ensino fundamental para a matemática. Na comemoração do Dia das Crianças na Escola Dr. Álvaro Guião e no aniversário da escola, praticamente precisávamos expulsar os alunos das salas. Eles não queriam interromper os desafios e os jogos de matemática e atrasavam a entrada de outros grupos. Esse é comportamento de quem não gosta de matemática?

Os estudantes não gostam da forma pela qual a matemática é ensinada, quando parece um receituário ou compêndio de fórmulas e regrinhas. É claro que não dá para ensinar tudo trabalhando apenas com metodologia de jogos e resolução de problemas, mas muita coisa pode ser feita com uso de computadores, softwares e ambientes virtuais de aprendizagem, vídeos de matemática — um episódio do desenho animado Cyberchase foi usado para trabalhar probabilidade com alunos da Escola Ary Pinto das Neves, com resultado excelente —, webquests, atividades investigativas. Tudo isso, no entanto, exige tempo do professor na preparação. E sabemos que ele está assoberbado de atividades didáticas e burocráticas.

Acreditamos que as inovações são necessárias e que a preparação do professor para trabalhar com elas é fundamental. Porém, com a quantidade de profissionais habilitados em matemática, a carga horária semanal dos que estão em serviço, salários e infraestrutura das escolas, estamos longe de ver tais metodologias empregadas na maioria das salas de aula.

Há recursos ou materiais didáticos mais eficientes do que outros?

— Alguns são mais adequados para algumas turmas ou algum conteúdo do que outros. Cada professor deve fazer uso crítico daqueles que julgar mais úteis para as turmas e se adequar à infraestrutura da qual dispõe.

Como avalia a formação dos professores de matemática no Brasil, atualmente? É possível melhorar? De que forma?

— Há uma demanda muito forte da sociedade por professores que usem metodologias mais ativas, que saibam trabalhar interdisciplinarmente, que se envolvam mais com a formação integral dos alunos. Contudo, essa demanda ainda não foi completamente absorvida pelos cursos de formação. Com certeza, é possível melhorar, e as instituições de ensino estão sempre discutindo e buscando aprimorar seus cursos, inserindo disciplinas mais adequadas às necessidades formativas do licenciando. Por exemplo, no ICMC, a disciplina de ensino de matemática por múltiplas mídias foi inserida na grade curricular da licenciatura em matemática como optativa em 1996, mas a partir de 2012 tornou-se obrigatória, a pedido dos estudantes. Também inserimos a disciplina de ensino de matemática para alunos com necessidades especiais e criamos os Colóquios das Licenciaturas. Neles, profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, diretores, supervisores, entre outros, que estudem ou trabalhem com alguma temática interessante para a atuação do professor são convidados a fazer palestras aos licenciandos e interessados da comunidade, entre outras ações.

Enfim, as mudanças na estrutura curricular são feitas a partir de discussões das exigências e necessidades observadas na escola básica, nos vários projetos que temos nesse lócus. Nesse sentido, projetos como o Pibid, o Programa de Mestrado Profissional para Professores de Matemática (Profmat) e o Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores (Life) aproximam professores da escola básica, licenciandos e professores-pesquisadores da universidade. E essa aproximação teoriza as práticas e ressignifica as teorias, trazendo contribuições para todos.

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