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JORNAL
Edição 51 - Libras na Escola
22/02/2011
 
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Mirlene Damazio: o ensino de libras deve ser para todos que estão na escola

Os surdos devem conviver e interagir nos mais diferentes contextos sociais, desde a mais tenra idade

Os surdos devem conviver e interagir nos mais diferentes contextos sociais, desde a mais tenra idade

Autor:Arquivo pessoal


Para a doutora em educação pela Universidade de Campinas (Unicamp), Mirlene Ferreira Macedo Damazio, que defendeu a tese – Educação escolar de pessoa com surdez: uma proposta inclusiva, os surdos devem conviver e interagir nos mais diferentes contextos sociais, desde a mais tenra idade, a fim de favorecer suas possibilidades de desenvolvimento.

A pedagoga, que é pesquisadora e diretora da Fundação Conviver para Ser, diz que o ensino de libras nas escolas deve incluir todos que nela estão, docentes e discentes. “Se estabelecermos uma cultura de valorização dessa língua e despertar nas pessoas a importância e o interesse em aprender libras, este será o centro da questão e favorecerá as ações inclusivas”, acredita.

Com mestrado em educação pela Universidade Federal de Uberlândia e mestrado em educação para a diversidade humana pela Universidade de Salamanca, ela tem especialização em pedagogia clínica e em educação especial. Professora pesquisadora bolsista da Universidade Aberta do Brasil, é conteudista e coordenadora da área de surdez do Projeto de Formação Continuada a Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, do Ministério da Educação (MEC) e Universidade Federal do Ceará.

Jornal do Professor - O que é necessário para uma boa inclusão de alunos com surdez nas escolas regulares?

Mirlene Ferreira Macedo Damázio - Falar de inclusão é falar do potencial das pessoas, do que elas têm de melhor. Sendo assim, pensar a pessoa com surdez inserida em uma escola comum na sala de aula regular é pensar em uma pessoa com muito potencial, que é capaz de interagir, agir e se estabelecer com seus pares.

A política de educação no Brasil vem tecendo fios direcionais numa perspectiva de inclusão de todos na escola comum, com destaque para as pessoas com deficiência. Nesta perspectiva inclusiva, os olhares acolhedores para as pessoas com surdez têm se evidenciado no ambiente escolar. Porém, por mais que as políticas estejam canalizando esforços para este fim, muitas propostas, principalmente no espaço escolar, precisam ser revistas e algumas tomadas de posição e bases epistemológicas precisam ficar mais claras, para que, realmente, as práticas de ensino e aprendizagem na escola comum apresentem caminhos consistentes e produtivos para a educação de pessoas com surdez.

Sabemos que diante do exposto, nos dispositivos legais do Decreto 5.626 de 5 de dezembro de 2005, que determina o direito de uma educação que garanta a formação da pessoa com surdez, em que a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa, preferencialmente na sua modalidade escrita, constituam línguas de instrução, e que o acesso às duas línguas ocorra de forma simultânea no ambiente escolar, colaborando para o desenvolvimento de todo o processo educativo numa abordagem bilingue. Neste contexto, nos preocupamos com a organização da escola em seu todo, desde os aspectos estruturais, bem como atitudinais.

Nos aspectos estruturais, entendemos que o fracasso escolar das pessoas com surdez é um problema da qualidade das práticas pedagógicas e não um problema somente focado nessa ou naquela língua, ou mesmo numa diferença cultural, envolvendo outra cultura, uma comunidade com identidades surdas próprias. É preciso construir um campo de comunicação e interação amplo, possibilitando que as línguas tenham o seu lugar de destaque, mas que não sejam o centro de tudo o que acontece nesse processo. Aí, deve-se discutir a presença obrigatória de quem age, produz sentido e interage: a pessoa com surdez. Isso nos faz pensar num sujeito com surdez não reduzido ao chamado mundo surdo, com a identidade e a cultura surda, mas numa pessoa com potencial a ser estimulado e desenvolvido nos aspectos cognitivos, culturais, sociais e linguísticos. Sendo assim, precisamos estabelecer um ambiente educacional rico de solicitações e acessibilidade em ambas as línguas e práticas pedagógicas que colaborem com as construções conceituais.

Enfim, pensar e construir uma prática pedagógica que se volte para o desenvolvimento das potencialidades das pessoas com surdez, na escola, é fazer com que essa instituição esteja imersa nesse emaranhado de redes sociais, culturais e de saberes, no qual o atendimento educacional especializado (AEE) irá contribuir com seu movimento complementar, envolvendo para a pessoa com surdez três momentos importantes, são eles: o AEE em libras, de libras e par ao ensino de língua portuguesa.

Nos aspectos atitudinais nossa intenção é interpretar as pessoas com surdez tendo a certeza de que os processos perceptivos, linguísticos e cognitivos poderão ser estimulados e desenvolvidos, tornando-as sujeitos capazes, produtivos e constituídos de várias linguagens, com potencialidade para adquirir e desenvolver não somente os processos visuais-gestuais, mas também ler e escrever as línguas em seus entornos e, se desejar, também falar.

JP - A partir de que idade deve ser feita essa inclusão?

MFMD - Desde a mais tenra idade, a pessoa com surdez deverá estar convivendo e interagindo nos mais diferentes contextos sociais. Isso favorecerá amplas possibilidades para ela desenvolver. Um aspecto importante é estabelecer o campo de comunicação e interação social. A comunicação deverá ser estabelecida de forma bilíngue, ou seja, a libras e a língua portuguesa. As duas línguas deverão ser colocadas nos ambientes educacionais. Estes ambientes envolvem inicialmente a família e a escola de educação infantil. Nestes ambientes serão organizadas vivências e experiências em ambas as línguas, expondo a criança cotidianamente ao contato essencial para a aquisição desses processos comunicacionais. É importantes assinalar, que em ambas às línguas precisamos ter a presença de profissionais especializados, ora atuando diretamente com a criança, ora orientando os familiares.

JP - Os professores estão preparados para desenvolver o ambiente de aprendizagem para os alunos com surdez em escolas regulares? O que é necessário para isso?

MFMD - Infelizmente ainda temos muitos problemas com a formação e a construção dos ambientes educacionais nas escolas. Estes processos estão sendo estabelecidos nas políticas públicas e os programas de formação continuada de professores estão sendo estabelecidos e/ou redirecionados para atender as solicitações desta escola aberta às diferenças de todos, inclusive das pessoas com surdez. A escola precisa estabelecer em primeiro lugar acessibilidade, ou seja, a presença de intérpretes de libras, principalmente do ensino fundamental em diante para colaborar com o trabalho na classe comum. Os professores deverão ser orientados de que os ambientes de aprendizagem deverão ser ricos em estímulos escritos e pistas visuais. O cotidiano da sala de aula deverá favorecer a interação e comunicação entre os alunos ouvintes e com surdez. Uma prática usual tem sido o ensino de libras nas classes comum. Isso em muito tem contribuído para melhorar a convivência humana entre essas pessoas com línguas diferentes.

JP - Qual é a importância do ensino da língua brasileira de sinais na escola?

MFMD - O ensino de libras nas escolas é de relevada importância, pois favorecerá a construção do ambiente comunicacional e de interação entre os ouvintes e as pessoas com surdez, bem como, irá enriquecer o processo de desenvolvimento humano e a aprendizagem de todos os alunos.

JP - Em sua opinião, o ensino de Libras deve ser uma atividade voltada apenas para alunos surdos ou deve incluir todos os alunos? Na segunda hipótese, de que forma seria essa inclusão: com aulas opcionais ou obrigatórias, incluídas no currículo?

MFMD - O ensino de libras deve acontecer nas escolas para todos que nela estão - docentes e discentes. Em várias regiões do País temos visto acontecer de forma obrigatória e opcional. Nosso ponto de vista é que seja uma ação sistemática, seja ela opcional ou obrigatória no plano curricular. Se estabelecermos uma cultura de valorização dessa língua e despertar nas pessoas a importância e o interesse em aprender libras, este será o centro da questão e favorecerá as ações inclusivas.

JP - A partir de que idade deve ser iniciado o ensino de libras?

MFMD - O ensino da libras deve ser introduzido desde a tenra idade para as crianças com surdez. Este ensino requer um ambiente adequado e que as crianças com surdez tenham contato com adultos com surdez, isso favorecerá uma aprendizagem contextualizada e significativa da língua.

JP - Quais as principais dificuldades de integrar alunos ouvintes e surdos? Só a aprendizagem da libras é suficiente?

MFMD - Não. A educação de alunos com surdez, do nível básico ao superior de ensino, constitui um dos desafios que mais tem marcado os caminhos traçados para a adoção de uma escola para todos no Brasil. São muitos os entraves e de diferentes naturezas. Na história da escolarização desses alunos, a exclusão foi e continua sendo um destaque. Apesar dos esforços que, atualmente, estão sendo envidados para que esses alunos estejam com os demais colegas ouvintes nas mesmas turmas das escolas comuns, são em grande parte os próprios alunos com surdez que se negam a estudar em ambientes escolares inclusivos. Isto tem dificultado o processo. As escolas brasileiras têm procurado aplicar os dispositivos legais de acessibilidade, ou seja, intérpretes em salas de aula, principalmente no ensino fundamental, médio e superior. A implantação da libras por si só não é garantia de acesso, permanência e sucesso da pessoa com surdez na vida acadêmica escolar. Estes alunos precisam do atendimento educacional especializado em libras, de libras e ensino de língua portuguesa no contra-turno das aulas. A libras e a língua portuguesa são línguas de instrução e comunicação, ambas devem estar presentes na cotidiano escolar destes alunos.

JP - Quais os principais problemas de aprendizagem dos alunos surdos? São semelhantes aos dos ouvintes?

MFMD - A principal dificuldade que a pessoa com surdez enfrenta em seu processo de escolarização é o aprendizado da língua portuguesa. Essa dificuldade não é semelhante a dos alunos ouvintes em virtude do canal de comunicação ser diferente. Nas pessoas com surdez o canal natural é o visual-gestual e nas pessoas ouvintes o canal natural é o auditivo-oral. Os alunos com surdez necessitam de AEE no contra turno para conseguirem aprender a língua portuguesa, em virtude do trabalho da classe comum não assegurar plenamente este aprendizado.

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