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JORNAL
Edição 57 - Sociologia na Escola
06/07/2011
 
ou

Anita Handfas (UFRJ): diferentes modelos de formação de professores precisam ser discutidos

A sociologia pode dotar os alunos da capacidade de compreender a vida social de uma maneira menos difusa e mais sistemática

A sociologia pode dotar os alunos da capacidade de compreender a vida social de uma maneira menos difusa e mais sistemática

Autor:Arquivo pessoal


Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Anita Handfas realiza pesquisas sobre o ensino de sociologia na educação básica. Na mesma instituição, ela coordena, juntamente com a professora Julia Polessa Maçaira, o Laboratório de Ensino de Sociologia Florestam Fernandes (LabES), cujo principal objetivo é o de criar um acervo de documentos que possam servir de consulta e também de intercâmbio entre professores de sociologia, pesquisadores e alunos de graduação em ciências sociais. Graduada em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em educação pela mesma instituição e doutorado em educação pela Universidade Federal Fluminense, Anita Handfas é coordenadora da Comissão de Ensino da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e falou, com exclusividade ao Jornal do Professor, sobre formação do professor de sociologia, melhorias e sobre o ensino da disciplina.

Jornal do Professor – Qual a importância da volta da sociologia ao currículo do ensino médio, depois de um afastamento de quase 40 anos?

Anita Handfas – Primeiramente é preciso esclarecer que a sociologia não esteve ausente dos currículos escolares nos últimos 40 anos. Apesar de sua intermitência marcada por mais de um século de história, a sociologia passa a ser reintroduzida gradualmente nos currículos a partir da década de 1980. É claro que isso não se deu de forma uniforme, mas em vários estados, como é o caso do Rio de Janeiro, a disciplina tornou-se obrigatória no ensino médio. Nesse período a sociologia vinha ocupando uma carga horária reduzida, na medida em que ela só era oferecida, geralmente, no terceiro ano.

O fato novo é a Lei 11.684, de 2008, que tornou obrigatório o ensino da sociologia em todas as séries do ensino médio. Feito esse esclarecimento, podemos pensar nos impactos, ou na importância do retorno da sociologia no ensino médio sob dois aspectos: o primeiro aspecto diz respeito à própria escola, ou seja, o fato da sociologia passar a ocupar um lugar definitivo no currículo escolar deverá conferir certa legitimidade à disciplina que até então não existia. E me parece que de alguma maneira isso poderá vir a contribuir para uma mudança no ethos da escola, já que é próprio da sociologia pensar ou problematizar os processos sociais, incluindo aí a própria escola. Ainda sobre esse aspecto, é importante destacar alguns fatos novos na conjuntura, decorrentes do novo quadro de obrigatoriedade da disciplina: trata-se da inclusão da sociologia no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, isso quer dizer que a partir de 2012, todos os estudantes das escolas públicas do ensino médio terão em suas mãos um livro didático de sociologia.

O segundo aspecto a ressaltar diz respeito à formação do professor de sociologia e isso é muito importante, uma vez que não compartilhamos com a ideia de que professores com formações diferentes podem ministrar a disciplina. Por esse motivo, é urgente colocar essa questão na pauta de discussão, seja no que concerne ao incentivo à criação de cursos novos de ciências sociais, sobretudo nas instituições públicas de ensino, como também para pensar como vem se dando a formação dos professores nas universidades públicas. Isso quer dizer que a obrigatoriedade abriu uma excelente oportunidade para os cursos de ciências sociais pensarem no tipo de formação que vem oferecendo aos nossos alunos e nos próprios currículos dos cursos, uma vez que o magistério tornou-se uma alternativa concreta de inserção profissional desses futuros cientistas sociais.

JP – Quais as maiores contribuições que essa disciplina pode trazer à formação dos estudantes?

AH – Acho que a presença da sociologia como componente curricular pode dotar os alunos da capacidade de compreender a vida social de uma maneira menos difusa e mais sistemática, o que implica afastar as visões naturalizadoras sobre os fenômenos sociais em que eles estão inseridos.

JP – Os alunos de ensino médio se interessam pelos conteúdos ensinados em sociologia? Há alguma metodologia que seja mais adequada ao ensino de sociologia nesse nível de ensino?

AH – Nossa experiência tem mostrado que os alunos ainda “estranham” a presença da sociologia no ensino médio, o que geralmente se manifesta na pergunta “mas para que aprender sociologia?”, “o que essa disciplina tem a ver com a minha formação?” É interessante notar que esse tipo de questionamento tem a ver com o que observei na primeira pergunta, ou seja, tem a ver com o fato da sociologia ainda não ter se institucionalizado como disciplina escolar. Ao mesmo tempo, acho que também tem a ver com o padrão atual da nossa escola pública que entre outros aspectos, ainda é fortemente marcada pelo ensino daquilo que poderá ser mais imediatamente aproveitado, ou seja, não temos uma escola “desinteressada” que permitiria aos alunos terem acesso ao conhecimento produzido socialmente pela humanidade, de modo a apreender esses conhecimentos de forma articulada entre ciência, cultura, tecnologia, artes, etc.

Do ponto de vista das metodologias, apesar de ainda ser recente nos currículos escolares, muito se tem avançado em propostas interessantes para o ensino da sociologia no ensino médio. Creio que os debates nos diferentes fóruns que vem ocorrendo, assim como a própria experiência didática do professor tem criado certo consenso de que por um lado não podemos abandonar o estatuto científico das ciências sociais e por outro é preciso criar formas de mediação dessa ciência no universo escolar.

JP – O que o professor pode fazer para estimular os alunos a refletirem sobre conteúdos de sociologia?

AH – Um dos pontos que tem se enfatizado a esse respeito é a necessidade de se criar estratégias didáticas que possam dotar nossos alunos daquilo que alguns autores chamaram de “imaginação sociológica”, ou seja, seriam as disposições necessárias para que os alunos possam penetrar no universo das ciências sociais, pensar sociologicamente sobre os problemas que os afetam.

JP – Como está a oferta de professores capacitados para o ensino de sociologia no Brasil? Está adequada ou há necessidade de mais professores formados nessa área?

AH – Do ponto de vista quantitativo, há sim uma defasagem, mas para além disso, destacaria ainda que o quadro atual de formação dos professores de sociologia precisa ser repensado, sobretudo no que diz respeito à discussão sobre bacharelado e licenciatura. É preciso enfrentar essa discussão relacionada à velha dicotomia entre bacharelado e licenciatura, ou seja, um curso para formar pesquisadores e outro para formar professores. Há que se pensar em modelos de formação que possam articular essas duas dimensões. Creio que partindo daí, a própria questão quantitativa poderá ser pensada sobre novas bases.

JP – Qual o trabalho desenvolvido pelo Laboratório de Ensino de Sociologia Florestam Fernandes?

AH – O LabES é uma iniciativa da Faculdade de Educação da UFRJ e foi concebido no âmbito da didática e da prática de ensino de ciências sociais, disciplinas que coordenamos na licenciatura. Seu principal objetivo é criar um acervo de documentos que podem servir de consulta e também de intercâmbio entre professores de sociologia, pesquisadores e alunos de graduação em ciências sociais. No LabES podemos encontrar dados da legislação sobre o ensino de sociologia na educação básica, propostas curriculares dos estados, livros didáticos, recursos pedagógicos para o ensino de sociologia, produção acadêmica, incluindo as dissertações e teses sobre a temática. Além disso, o LabES é um espaço de aglutinação dos professores de sociologia em torno de uma série de eventos e atividades que vimos realizando. Entre essas atividades, podemos citar o Encontro Estadual sobre Ensino de Sociologia que já se encontra em sua segunda edição – realizamos o primeiro em 2008 e o segundo em 2010. Além desse importante fórum de discussão, temos realizado uma série de outras atividades, sempre buscando a articulação entre a universidade e a escola pública. Acreditamos que esse seja o papel da universidade pública e o LabES tem se constituído em um espaço importante dessa articulação.

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