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JORNAL
Edição 64 - Prêmio Professores do Brasil - 2011
20/12/2011
 
ou

Lúcia M.G. Resende (UFPR): uso de metodologia por projetos não deve ser um ato isolado

Trabalho com projetos contribui para o fortalecimento do diálogo com a realidade, diz professora Lúcia Resende

Trabalho com projetos contribui para o fortalecimento do diálogo com a realidade, diz professora Lúcia Resende

Autor:Arquivo pessoal


Doutora em educação brasileira pela Universidade Estadual de São Paulo (USP) e pós-doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pedagoga Lúcia Maria de Gonçalves Resende é professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Já lecionou também na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no período de 1981 a 1997, e na Universidade de Brasília (UnB), de 1997 a 2008.

Para ela, que é especialista em metodologia do ensino superior, orientação educacional e em educação não formal, com vários livros publicados, a opção de trabalhar com uma metodologia por projetos não deve ser um ato isolado, mas consequência do entendimento de que o processo educativo desenvolvido com esses projetos é resultado de construção, investigação, problematização coletiva.

A professora ressalta a importância da divulgação de matérias sobre o tema Projetos, para mostrar aos professores que é possível construir, ousar e desenvolver propostas utilizando essa metodologia, independente do nível em que a docência seja exercida.

Entre os benefícios trazidos pelo utilização de projetos, destaca: o desenvolvimento da inter e transdisciplinaridade, envolvendo diversas áreas de conhecimento, bem como o fortalecimento da importância do trabalho coletivo entre professores, alunos e comunidade escolar.

Jornal do Professor – Quais os principais benefícios que o desenvolvimento de projetos na sala de aula pode trazer para a escola, professores e alunos?

Lúcia Maria de Gonçalves Resende – Inicialmente é importante frisar que a opção de trabalhar com uma metodologia por projetos não deve ocorrer como um ato isolado, mas porque é consequência do entendimento de que o processo educativo desenvolvido com esses projetos é resultado de construção, investigação, problematização coletiva. Dessa maneira, a conhecida linearidade guiada por currículos pouco flexíveis não comportam o trabalho por projeto. É importante também que exista coerência na ação pedagógica, que se desencadeia a partir do projeto político-pedagógico da escola. O que temos observado é que, quando inexiste esta coerência, mesmo projetos bem intencionados e desenvolvidos, mas isolados, acabam perdendo força no conjunto da escola.

Alunos e professores precisam perceber que posturas baseadas nas certezas, nas ações modelares e reprodutoras podem minar projetos, mesmo que eles estejam registrados de maneira burocraticamente aceitável. Muitas vezes esses registros são fruto de imposições e modismos, não revertendo positivamente nos processos educativos. O grande salto qualitativo está em aceitar o desafio de desinstalar-se, criando coragem para abandonar um porto seguro e aventurar-se em espaços ainda pouco conhecidos. Associado à coragem está o compromisso e a responsabilidade, tendo como fio condutor um projeto, que funcione como orientador de ações e celeiro de acolhimento de alunos e professores, interessados no protagonismo do processo educativo, o que pode oportunizar o sentimento de pertença dos envolvidos.

Que benefícios esse movimento poderia trazer? Basicamente os envolvidos poderão tornar-se sujeitos de seu processo educativo, libertando-se da condição de meros depositários de informações, para tornarem-se investigadores da e na realidade. E isso somente ocorre quando se avança da informação para o processo de significação pessoal dos conhecimentos, chegando a construí-los.

A partir daí podemos citar benefícios, como

· Ampliação das possibilidades de construção de conhecimento de forma mais global e coletiva, tendo como eixo a aprendizagem significativa.

· Fortalecimento do diálogo com a realidade.

· Desenvolvimento da inter e transdisciplinaridade, envolvendo diversas áreas de conhecimento.

· Fortalecimento da importância do trabalho coletivo entre professores, alunos e comunidade escolar.

· Desencadeamento de avaliação processual no desenvolvimento dos envolvidos.

· Incentivo à reflexão constante da prática pedagógica, pois esta estratégia não se apóia em normas e regras rígidas, previamente definidas.

· Protagonismo dos envolvidos na construção do processo de aprendizagem, buscando aprofundamentos e resignificações.

JP – Como este tipo de metodologia pode ser utilizado em sala de aula?

LMGR – O trabalho por projeto, como metodologia, pode utilizar diferentes caminhos, contudo, alguns passos podem contribuir com o processo. Alguns deles são:

· Inicialmente, estabelecer elementos disparadores ou desencadeadores do processo, que advêm de temáticas do interesse dos participantes, demandando estudos e aprofundamentos. Com frequência, novos elementos podem ser agregados ao longo do processo, podendo inclusive promover revisões no mesmo.

· Desencadear a problematização daquilo que se definiu para ser estudado e organizado, a partir de conhecimentos e vivências, definindo objetivos, mesmo que provisórios.

· Promover o desenvolvimento de atividades, envolvendo pesquisas do e no coletivo em diferentes fontes, locais e grupos sociais.

· Em vários momentos desse desenvolvimento é importante criar espaços de sistematização e registro de conhecimentos. Assim, os envolvidos terão a oportunidade de produzir sínteses e organizar os achados teóricos e práticos. Os registros podem ter diferentes formatos, como escritos analíticos em portifólios, com textos, fotos, gravações em áudio e vídeo etc.

· Reforçar a avaliação processual, não episódica, oportunizando revisões e gerando enriquecimentos. O sentido da avaliação é a aprendizagem, afastando-se da possibilidade de simples medição de conhecimentos. Daí o porquê de a auto-avaliação tornar-se indispensável.

JP – Quais os aspectos desta metodologia que devem ser observados e levados em consideração na hora de elaborar um projeto como os que participam do Prêmio Professores do Brasil?

LMGR – O profissional que opta por esse modo de trabalho possui um olhar diferente na leitura da realidade e, consequentemente, para sua docência. Isso porque se trata de um investimento pessoal, que é traduzido por posturas que transformam a docência qualitativamente, tornando-a foco de compartilhamento de saberes, vivências e construções de conhecimentos.

Esse profissional, ao elaborar o projeto, deverá promover:

· o desenvolvimento de ações que valorizem o sujeito aluno, proporcionando-lhe meios para um trabalho criativo, coletivo, solidário e intenso de aprendizagem. O projeto não pode ser do professor ou de um pequeno grupo que o protagoniza;

· a valorização da capacidade de análise, reflexão e crítica. O trabalho por projeto pode desenvolver essas capacidades, que são inerentes ao processo e devem estar destacadas e definidas em ações promotoras;

· a valorização de vivências, pesquisas e sistematizações, em articulação a aquisições anteriores e posteriores ao projeto. Os projetos assentam-se nos sujeitos concretos, que vão tecer/construir uma malha de conhecimentos que se amparam naqueles já existentes, podendo superá-los e/ou fortalecê-los, permitindo que outros também componham esta malha, porque significantes para o sujeito.

JP – Os projetos podem ajudar no crescimento pessoal e profissional dos professores?

LMGR – Creio que um dos importantes combustíveis que pode manter os professores motivados e instigados a criar novas alternativas e desafios para a docência está na capacidade de reinventar-se cotidianamente. Esta não é uma tarefa simples, ao contrário, requer disciplina, compromisso, preparo profissional e muita esperança na capacidade de si e do outro.

Certamente, professores vivenciam inseguranças, dúvidas, temores quando assumem a direção, encaminhamento e o produto de processos educativos. Mas a opção pela metodologia de projetos pode contribuir na perspectiva de que as construções são fundamentalmente do coletivo. O professor não precisa revestir-se de poder e domínio, mas pode despir-se deles para orientar e mediar ações, mesmo que sem prescindir de preparo. Esse é um importante aprendizado, que ganha mais significado no cotidiano da docência. As possibilidades de crescimento pessoal e profissional ampliam-se na proporção de que esse professor se identifica como aquele que também aprende, ao longo de todo o processo.

JP – Os cursos de licenciatura preparam os futuros professores para trabalhar com projetos?

LMGR – Com frequência, os cursos de licenciatura discutem superficialmente princípios pedagógicos. Normalmente, eles ocupam um espaço da formação mais como apêndices na organização curricular. Os conteúdos específicos da área são mais valorizados e os futuros professores adentram as salas de aula pautados em muitos “achismos”, ou mesmo modelos, exacerbando inseguranças e ansiosos por fórmulas milagrosas, que melhor os fundamentem na docência. Por outro lado, as licenciaturas não deveriam preparar para o trabalho por projeto, mas já trabalhar por projetos, o que é bastante distinto. Temos assistido professores da área pedagógica, dizendo o como fazer sem, contudo, fazê-lo. A melhor forma de ensinar o trabalho por projeto é permitir que os licenciandos o vivam em sua formação.

Tenho tido a oportunidade de vivenciar essa realidade em um projeto inovador em um setor da Universidade Federal do Paraná. Nesse projeto, as organizações curriculares das licenciaturas deixam de ser “grades”, para flexibilizarem, criarem e resignificarem conteúdos e processos. Temos tido problemas porque professores e alunos necessitam rever conceitos, rotinas e princípios, mas os ganhos pedagógicos são estruturantes. Para aqueles que tiverem interesse, seria interessante conhecer o Projeto Político-pedagógico desse setor: http://www.litoral.ufpr.br/

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