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JORNAL
Edição 81 - Aulas de Ciências
13/12/2012
 
ou

Odisséa Boaventura de Oliveira (UFPR): professor precisa fazer aproximações com o cotidiano

Todo contato com atividades científicas pode contribuir na formação do aluno

Todo contato com atividades científicas pode contribuir na formação do aluno

Autor:Francisco Bocca


Com doutorado em educação pela Universidade de São Paulo (USP), mestrado também em educação, pela Universidade de Campinas (Unicamp), a professora Odisséa Boaventura de Oliveira é chefe do Departamento de Teoria e Prática de Ensino da Universidade Federal do Paraná.

Graduada em ciências biológicas, pedagogia e licenciatura em ciências, ela leciona as disciplinas de prática de ensino de ciências; biologia e estágio supervisionado; metodologia de ensino de ciências; biologia e ensino das ciências no Brasil: histórico, abordagens e perspectivas de investigação. Sua experiência profissional inclui, ainda, o ensino de ciências e biologia para alunos da educação básica, por mais de dez anos.

Para Odisséa, a questão fundamental do processo de ensino e aprendizagem em ciências é a de lidar com a dualidade concreto-abstrato, pois acredita que o professor precisa fazer aproximações com o cotidiano, onde entram tanto a linguagem quanto as estratégias, para que o aprendizado possa ocorrer.

Jornal do Professor – Como os professores do ensino básico podem despertar o interesse dos alunos pelas aulas de ciências?

Odisséa Boaventura de Oliveira – Entendo que “despertar o interesse” está próximo de “motivar”. Não gosto destas expressões, pois elas enfatizam que “alguém” ou “algo externo” deva realizar tal fato. Prefiro a ideia proposta por Bernard Charlot, de “mobilização”, a qual implica o sentido de “colocar-se em movimento”, que envolve uma dinâmica interna ao sujeito, ainda que obviamente envolva o exterior, pois se quero alcançar algo me mobilizo para isso. Explicando melhor porque vejo problemas no “despertar interesse no ensino de ciências”; geralmente isto implica no uso de recursos e estratégias de ensino, por exemplo, jogos, aulas práticas ou experimentos, vídeos, imagens, textos diferenciados, computador. Entendo que cada um deles tem uma função na aprendizagem e veiculam concepções de ensino, de aprendizagem, de ciência, mas frequentemente são esquecidas em favorecimento à motivação. É como se bastasse utilizá-los para que o aluno se interesse e com isso ocorra aprendizagem, apenas porque ele se envolveu com o recurso ou com a estratégia. Mas esses elementos (recurso e estratégia) são instrumentos utilizados na relação pedagógica para que o aluno se aproprie de um conhecimento que acaba praticamente esquecido, pois se acredita que o envolvimento seja suficiente.

Assim, “mobilizar”, conforme entendido por Charlot, significa reunir forças para fazer uso de si próprio como recurso e é com isso que o professor precisa se preocupar, problematizando questões relacionadas ao conhecimento das ciências levando o aluno a engajar-se na atividade, que se mobilize para compreendê-lo, ou melhor, apreendê-lo.

JP – É possível ensinar conteúdos de ciência e tecnologia de modo fácil e divertido? De que maneira?

OBO – Existem muitas estratégias de ensino que são divertidas, como jogos, culinária, construção de maquetes, representação de papéis, leitura de textos humorísticos dentre outras, no entanto desconfio um pouco da facilitação da aprendizagem. Aprender é uma tarefa que requer esforço, é trabalho, como disse antes, é preciso mobilizar-se para isso. E no caso, a aprendizagem de conteúdos de ciências requer certa abstração. Não dá para achar que aluno aprenderá a partir da passagem facilitada do pensamento concreto para o abstrato, por um processo contínuo sem promover uma ruptura na forma de pensar.

Em minha opinião, a questão fundamental do processo de ensino e aprendizagem em ciências é a de lidar com a dualidade concreto-abstrato, pois o professor precisa fazer aproximações com o cotidiano e nesta aproximação entram tanto a linguagem (como as analogias), quanto as estratégias (como as citadas acima). Mas ao ter como fim os conceitos científicos, o professor de ciências precisa fazer a mediação entre as diferentes racionalidades, a cotidiana e a científica. Enquanto o conhecimento cotidiano se constitui tendo por base fundamentos diários observáveis, baseado na realidade sensorial, afetiva, imagética, o conhecimento científico se fundamenta na elaboração teórica, no mundo das ideias, portanto trata-se de uma representação abstrata da realidade.

A escola tem que promover o diálogo entre estas duas racionalidades, o que não é tarefa fácil. Pode recorrer às estratégias divertidas? Sim, deve, mas sem perder de vista que sua finalidade é a formação de consciência crítica em relação a ambos os conhecimentos, ou seja, levar o aluno a compreender que a ciência não é algo tão simples quanto as ações do dia a dia, e que as explicações cotidianas necessitam de uma reconstrução à luz do conhecimento escolar. Isto pode ser feito promovendo sua aproximação com as condições de produção das ciências e suas relações com a tecnologia, por meio de estudos históricos, o que talvez possa ser mais fácil e divertido.

JP – Em sua opinião, as instituições de ensino superior preparam adequadamente os futuros professores de ciências? Por quê?

OBO – Essa é uma pergunta difícil, pois se disser que sim, poderia ser questionada: “então por que a educação está numa situação tão deficitária?”, haja vista o desempenho dos estudantes nas avaliações governamentais. Por outro lado, se eu disser que não, poderia colocar em descrédito meu próprio trabalho. Então para fazer justiça com as instituições formadoras e com as escolas, vou destacar dentre os diferentes desafios que estão aí para serem enfrentados na formação inicial do professor, apenas a relação teoria-prática.

Esta relação é um problema histórico na formação, advém da própria organização do curso em que se tinha três anos de disciplinas específicas e um ano de disciplinas pedagógicas. Hoje, por mais que as grades curriculares dos cursos tragam uma articulação entre essas disciplinas, ainda há deficiências de ordem epistemológica, isto é, a forma de conceber a articulação não está baseada num pressuposto comum, que seria a pesquisa.

A pesquisa, por si só requer tal articulação, não é possível investigar um aspecto do processo ensino-aprendizagem sem recorrer a fundamentos teóricos e práticos. Então enquanto as instituições não adotarem tal perspectiva na formação estarão falhando nesta articulação.

JP – Quais os principais pontos que procura enfatizar com seus alunos, futuros professores?

OBO – Além dos citados anteriormente, a problemática que envolve o uso de recurso e estratégias didáticas, a abstração necessária para aprender ciências, a pesquisa na formação. Também procuro enfocar aspectos relacionados à linguagem, mais especificamente ao discurso pedagógico, ou seja, à forma de conceber o professor, o aluno e o conteúdo.

Neste caso, penso o discurso a partir da interação entre os participantes (no caso o professor e os alunos) e os sentidos produzidos nessa interação. Assim, procuro abordar com meus alunos licenciandos a importância de se considerar em uma aula o que os estudantes têm a dizer sobre o conteúdo, pois os significados que o professor projeta naquilo que ensina nem sempre são os mesmos que os alunos elaboram. Valorizar esse processo de significação implica em reconhecer que há diferentes aprendizagens.

JP – É importante que os professores de ciências participem de cursos ou oficinas para reciclagem de conhecimentos ou aprendizado de novas técnicas? Por quê?

OBO – Claro que sim! É imprescindível, por conta do que já disse antes. Ser professor é uma profissão desafiadora, cheia de imprevistos, de incertezas, de inovações e ele não pode se ausentar no enfrentamento destes desafios. Para isso o estudo, a pesquisa, a frequência em cursos, oficinas, eventos, seminários contribuem para o encontro/discussão/compartilhamento de alternativas para o processo ensino-aprendizagem.

JP – Qual a contribuição que as instituições acadêmicas podem dar?

OBO – As instituições formadoras podem contribuir de diferentes modos, quando procuradas pelas secretarias de educação, para ofertar cursos e atividades formativas ou propondo parcerias com as escolas, particularmente nos momentos dos estágios obrigatórios que constam nas grades curriculares dos cursos de licenciatura. Esse seria um momento interessantíssimo para a articulação entre a formação dos futuros professores e daqueles que estão em serviço.

No entanto, há um princípio básico que deve ser considerado nessa formação: a parceria, a construção conjunta. Pois, a universidade não tem as respostas prontas para os professores, nem pode impor os conhecimentos circulantes ali como panaceia para os problemas escolares. O ponto essencial é partir das necessidades e conhecimentos dos professores para que coletivamente se encontre possibilidades de enfrentamentos, sejam de ordem metodológicas, curriculares ou sociais.

JP – A Universidade Federal do Paraná promove algum tipo de atividade nesse sentido? Quais as principais?

OBO – A universidade tem atuado em vários projetos de formação de professores em serviço, como aqueles promovidos pelas secretarias municipais de educação, em que a universidade oferece cursos, faz assessoria para a produção de materiais didáticos ou para a reformulação curricular, ou orienta projetos de ensino que os professores desenvolvem em suas aulas. Por exemplo, na área de ciências, há um junto à Secretaria de Curitiba, denominado “Parceria Escola-Universidade”, em que os professores da rede municipal desenvolvem um projeto de intervenção em sua sala de aula sob orientação de um professor da universidade, cuja duração é de cerca de oito meses. Junto à secretaria estadual há o PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), neste o professor frequenta cursos na UFPR e também desenvolve um projeto orientado por um docente da universidade, com duração de dois anos. Além de cursos e eventos de extensão esporádicos ofertados aos professores. Em relação à formação conjunta de futuros professores e aqueles que estão em serviço, temos o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), financiado pelo governo federal. Ele conta com dois professores da escola para orientar e 15 licenciandos sob coordenação de um docente da universidade. Sou coordenadora de um projeto PIBID e, ainda que em fase inicial, tenho percebido bons resultados no grupo de estudos que realizamos semanalmente. Já em relação à formação nos estágios, às vezes acontecem eventos ao longo do semestre em que há troca de conhecimentos entre os professores envolvidos, mas não é uma prática sistemática e corriqueira. Deveria ser melhor organizada.

JP – Em sua opinião, é importante que os alunos participem de atividades como exposições e feiras de ciências? Por quê?

OBO – Sim, todo contato com atividades científicas pode contribuir na formação do aluno, para aquela compreensão que citei anteriormente, a de que o conhecimento científico é abstrato e se diferencia do cotidiano. As feiras, exposições, mostras, museus sempre contam com recursos que se diferenciam dos presentes na escola, de modo que a frequência a esses espaços pode garantir uma aprendizagem adicional, pelo fato do aluno estar mais descompromissado com o conhecimento veiculado.

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