Portal do Governo Brasileiro
Início do Conteúdo
JORNAL
Edição 91 - Culinária e Aprendizagem
03/09/2013
 
ou

Otília Maria A. N. A. Dantas (UnB): "A culinária é maneira concreta de aprender inúmeros conteúdos"

Todo recurso — especificamente, a culinária — pode ajudar bastante na consolidação dos processos de ensino e de aprendizagem

Todo recurso — especificamente, a culinária — pode ajudar bastante na consolidação dos processos de ensino e de aprendizagem

Autor:Arquivo pessoal


Graduada em pedagogia, com mestrado e doutorado em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Otília Maria Alves da Nóbrega Alberto Dantas é professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), onde atua também como chefe do Departamento de Métodos e Técnicas.

Otília desenvolve pesquisa, ensino e extensão na área de educação, com ênfase em pedagogia. Atua principalmente na abordagem de temas como formação de professores, didática, educação, pedagogia, ludicidade e construção do conhecimento. É pesquisadora-membro do Grupo de Pesquisa Aprendizagem Lúdica: Pesquisas e Intervenção em Educação e Desporto (Gepal) e do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação e Atuação de Professores-Pedagogos (GEPFAPe), entre outros.

Jornal do ProfessorQual a importância de o professor usar diferentes métodos e técnicas de ensino?

Otília Dantas — Todo professor carrega em sua prática um conjunto de métodos e técnicas de ensino que caracterizam o seu fazer docente. O método é o estilo de ensinar, a gestão do trabalho do ensino. Ou seja, o caminho que pretende desenvolver no ensino. Por exemplo, se o ensino será individual ou coletivo, se dialogal ou unidirecional. A técnica de ensino é a ação concreta do método. Um ensino individualizante pode ser realizado com técnicas de estudo dirigido ou provas. Sendo assim, já é possível perceber porque determinadas escolas desenvolvem certas práticas de ensino e não outras.

Tomando emprestado o pensamento da estudiosa brasileira Ilma Passos Veiga (2006), podemos entender que as técnicas de ensino, como componentes operacionais do método, podem servir às relações de dominação em sala de aula ou, ao contrário, de emancipação social, valorizando diferentes estilos de aprendizagem. Então, o professor com formação saberá utilizar adequadamente as diferentes técnicas de ensino, conforme a política expressa no projeto político-pedagógico da escola em que atua. Uma escola tradicional pode se propor a técnicas diferentes daquelas adotadas em uma escola construtivista. Nesse sentido, cada unidade de ensino se sustenta em métodos próprios de sua cultura escolar. Portanto, as técnicas de ensino, quando empregadas numa relação aberta entre professor e alunos, proporcionam atitudes de colaboração, responsabilidade e autonomia entre os estudantes.

Alguns professores usam a culinária para ensinar diferentes conteúdos, que incluem disciplinas variadas. Que disciplinas podem se beneficiar com esse recurso?

— Ensinar diferentes conteúdos, que incluem disciplinas variadas, representa um conceito importante no campo da pedagogia e da didática — a interdisciplinaridade. Não que seja apenas isso, mas se constitui também nesse movimento. Destacamos que os métodos e as técnicas de ensino são utilizados conforme a política implementada no ambiente escolar. Certamente, trabalhar de modo interdisciplinar demanda uma política emancipatória de construção coletiva do conhecimento. Para Ivani Fazenda (2003) a interdisciplinaridade é muito mais que o encontro entre disciplinas: é o grande encontro de homens e mulheres que habitam o território das disciplinas e que desejam ir para além dele, em direção a um conhecimento que possa fazer sentido para a história da humanidade. Para tanto, está constituída no tripé correspondente ao conhecimento (conteúdo), ao fazer (a prática) e ao ser (essência humana). Cabe ao professor interdisciplinar desenvolver práticas voltadas para o entrelaçamento dos conhecimentos, práticas e sentidos das diversas disciplinas no intuito de proporcionar situações-problema visando à construção do conhecimento no aprendiz. Então, a culinária é um dos vários temas que o professor pode trabalhar de modo interdisciplinar e promover a construção do conhecimento na criança.

Sobre isso, tenho um exemplo de estudo que desenvolvi com alunos do curso de pedagogia da UFRN (DANTAS, 2013). O estudo partiu dos questionamentos: como o ser humano constrói seu conhecimento? Em que medida as brincadeiras contribuem para o processo de aprendizagem dos infantes? Como explorar pedagogicamente a curiosidade da criança? Nesse estudo, pretendíamos compreender como ocorre a construção do conhecimento das crianças e como acontece a mobilização dos seus saberes e habilidades. Para tanto, realizamos uma oficina, a Fábrica de Doces, destinada a crianças entre 8 e 10 anos de uma escola pública de Caicó (RN). Na oficina, facilitamos a revisão de conhecimentos matemáticos (medidas, formas geométricas, etc.), habilidades e atitudes mediante a confecção de docinhos de leite. A oficina explorou simultaneamente os conhecimentos matemáticos apreendidos em sala de aula, bem como o desenvolvimento da motricidade fina, a interação, o estímulo, o autocontrole e a criatividade. Os resultados demonstraram que a construção do conhecimento tende a ocorrer muito particularmente em cada sujeito e que cabe ao professor explorar essas diversas capacidades, respeitando o estilo e o ritmo de cada aprendiz.

Uma conclusão é que a ênfase no ensino mediacional tende a facilitar a (re)construção do conhecimento pelo aprendiz. Sobre isso, publiquei essa experiência em livro que será lançado no final de novembro, com o título Aprendizagem Lúdica e suas Interfaces. A obra foi elaborada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Aprendizagem Lúdica (Gepal), vinculado ao programa de pós-graduação em educação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

Portanto, o mais importante é que o docente saiba usar os inúmeros recursos, desde a culinária até corte e costura, por exemplo, para provocar nos alunos situações-problema que os levem a pensar, refletir, para solucioná-los, construindo ou reelaborando os conhecimentos.

A culinária pode ser usada desde a educação infantil até a superior?

— Sim. Vale destacar que eu me refiro ao concreto, e a culinária é uma maneira concreta de apreender inúmeros conteúdos. Na educação superior, especificamente em minha realidade de formadora de professores, considero que ensinar a se tornar professor demanda, de minha parte, apresentar aos formandos e futuros professores situações-problema que os levem a pensar a docência na atualidade, dentro do contexto de formação de cada licenciatura (matemática, geografia, história, inglês, português...).

Durante estudos sobre “identidade docente” pedi aos cursistas que entrevistassem um professor, a fim de conhecer um pouco de sua prática. Todos chegaram encantados na sala de aula porque “entenderam a realidade do trabalho docente”, o que não é simples como se pensa. Ouviram do entrevistado a realidade da profissão e o quanto ele a preza. Outra vez, trabalhando “planejamento”, pedi que visitassem a sala de aula daquele professor e, em seguida, elaborassem plano de aula para aquela turma. Ao retornarem à sala de aula, os cursistas apresentaram proposta de ensino na qual aproveitavam jogos de videogame para ensinar história; aulas de culinária para ensinar química: aula de música, com partitura, para ensinar matemática, etc.

Eles sempre concluem o quanto é difícil o trabalho docente e que não pode ser qualquer um, sem formação própria, a assumir aquela função, e a formação é o que proporciona a segurança e o saber da profissão. A docência está comparada a um iceberg. O leigo enxerga apenas uma pequena parte e limita-se a essa parte. Somente o profissional da docência conhece a arquitetura completa do iceberg. Ou seja, do trabalho docente.

Quais os principais benefícios que a culinária pode trazer para os alunos?

— Por tudo que já conversamos até aqui, estou tomando a culinária como um exemplo de recurso didático para desenvolver a prática de ensino. Na oficina Fábrica de Doces que realizamos com crianças entre 8 e 10 anos, pudemos comprovar o quanto atividades diferentes provocam aprendizagens lúdicas e ajudam os aprendizes a solucionar diversas situações-problema que a atividade suscita. Nessa oficina, uma criança, questionada sobre a simetria de uma colher, propôs outro modo de resolução da situação-problema: se cortássemos a colher na sua largura, estaríamos enxergando-a assimetricamente. Enfim, todo recurso — especificamente, a culinária — pode ajudar bastante na consolidação dos processos de ensino e de aprendizagem. A prática da culinária pode promover aprendizagens mediante os sentidos, o exercício da cidadania, a ética, conhecimentos matemáticos, químico-físicos, geográficos, históricos e culturais, além de promover boas relações interpessoais.

As instituições de educação superior brasileiras preparam os alunos de licenciatura para usar a culinária como recurso didático? Como isso ocorre na UnB?

— Estou considerando a culinária como prática de ensino mediadora de aprendizagem, como tenho dito desde o início. Considero fundamental que a formação docente em nível superior (licenciatura) use a relação teoria-prática. As diretrizes curriculares para os cursos de licenciatura determinam que os estágios supervisionados e a relação teoria-prática sejam garantidos aos formandos no decorrer da formação. Na UnB, há uma preocupação acerca de se formar profissionais pedagogicamente inseridos no contexto da profissão, sensibilizados com os processos de ensino e de aprendizagem, sem perder de vista os problemas sociais e o avanço científico e tecnológico. Todavia, a iniciativa ainda é tímida. Não recomendo uma formação de professores em nível superior que valorize mais a prática (técnicas de ensino, por exemplo) do que a teoria pautada no excessivo uso de técnicas e próxima do senso comum, produzindo a supervalorização da técnica sobre a teoria. Essa luta, nós professores da UnB, temos travado no decorrer dos anos através das mobilizações nacionais como está registrado nos meios de comunicação mundiais.

Referências

DANTAS, O. M. A. N. A. Brinquedos, brincadeiras e construção do conhecimento: edificando o conhecimento matemático na criança. In: DANTAS, O. M. A. N. A. Et al. Aprendizagens lúdicas e suas interfaces. (no prelo), 2013.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: qual o sentido. São Paulo: Paulus, 2003. DANTAS, 2013.

VEIGA, I. P. A. (org.). Técnicas de ensino: novos tempos, novas configurações. Campinas: Papirus, 2006.

ENQUETE

Ajude-nos a escolher o tema da próxima edição do Jornal do Professor. É só clicar em uma das opções abaixo!

Fim do Conteúdo
REPORTAR ERROS
Encontrou algum erro? Descreva-o aqui e contribua para que as informações do Portal estejam sempre corretas.
CONTATO
Deixe sua mensagem para o Portal. Dúvidas, críticas e sugestões são sempre bem-vindas.