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JORNAL
Edição 99 - Física no Ensino Médio
04/04/2014
 
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Inés Prieto Schmidt Sauerwein (UFSM): “Não é possível fazer aulas atraentes se os professores não têm tempo de prepará-las”

Professora do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Inés Prieto Schmidt Sauerwein trabalha, desde 1997, com diversas disciplinas do curso de licenciatura plena em física. Sua experiência no magistério inclui a educação básica, no início da carreira, e os programas de pós-graduação em educação em ciências, nos quais orienta projetos de mestrado e doutorado voltados para os três níveis de ensino.

Na visão de Inés, para que a disciplina de física se torne mais atraente para os alunos, os professores precisam dispor de tempo para investir em formação permanente na escola. “Não é possível fazer aulas atraentes se os professores não têm tempo de prepará-las”, destaca. Ela aponta ainda a necessidade de o professor ser profissional de uma escola apenas para poder dividir a carga horária semanal entre o tempo em que estará frente aos alunos e a preparação do que vai apresentar nas aulas.

Com licenciatura plena em física pela Universidade de São Paulo (USP), Inés tem mestrado em ensino de ciências (modalidade física e química) também pela USP e doutorado em educação científica e tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Jornal do Professor A disciplina de física é uma das mais temidas pelos alunos do ensino médio. Por que isso ocorre?

Inés Sauerwein – Dada a minha experiência com professores na formação inicial e na continuada, atribuo esse temor, entre outras coisas, à falta de sentido atribuída à física. O que eu quero dizer com isso? As pessoas associam a física à matemática, o que é correto. A física usa a matemática para comunicar, divulgar e representar os fenômenos naturais como linguagem, assim como nós usamos o português para nos comunicarmos. Caso não dominemos a norma culta, a comunicação humana fica comprometida. Assim ocorre com a física — no ensino, seja em qualquer nível de escolaridade, dá-se ênfase à matemática, sem mostrar ou indicar de que maneira os fenômenos físicos são descritos por essa linguagem. Essa não é uma tarefa simples, mas também não fazê-la aumenta o temor dos alunos pela disciplina. Os professores em exercício precisam ter formação sólida, dominar a física e saber trabalhá-la, adequando-a ao público atendido, sejam alunos das séries iniciais e finais do ensino fundamental, alunos do ensino médio ou alunos da educação superior.

O que os professores podem fazer para tornar as aulas de física mais atraentes para os alunos?

– Essa pergunta às vezes me incomoda. Parece que os professores não fazem a sua parte para que os alunos compreendam a física. Para que a física seja mais atraente para os alunos, os professores precisam ter tempo na carreira do magistério para formação permanente na escola. Não é possível fazer aulas atraentes se os professores não têm tempo de prepará-las. Aqui, aponto a necessidade de o professor ser profissional de uma escola apenas e dividir a carga horária semanal entre estar frente aos alunos e a preparação do que será trabalhado nessas aulas. Além de estudar o conteúdo da física, é necessário que o professor estude também formas de ensinar esse conteúdo, além das formas de avaliar a aprendizagem dos alunos e de seu próprio trabalho. Destaco que esse processo formativo a que me refiro quando o professor não está à frente de alunos deve ter momentos individuais e coletivos, com seus pares da instituição.

Supondo que essas condições estejam satisfeitas, a resposta à questão é a mesma da anterior: fazer com que os alunos percebam que a matemática é uma linguagem que descreve os fenômenos físicos, que ela foi uma conquista da humanidade para comunicar vários aspectos de forma bastante sintética. Por isso, é preciso entender o significado das equações, pois há muita informação que é comunicada por uma expressão matemática. Professores e alunos precisam dominá-la. Caso contrário, estarão perdendo o significado da física.

Sabe-se que muitas escolas não têm laboratórios. Que ferramentas ou materiais didáticos podem ser usados para que os alunos compreendam melhor os conteúdos de física?

– Há muitos materiais à disposição dos professores para a preparação das aulas, como textos de divulgação científica, textos originais de cientistas (Newton, Huygens etc.), música, literatura, filmes, artes plásticas, objetos de aprendizagem, simulações computacionais, ferramentas computacionais. Entretanto, o professor precisa ter tempo para estudar e preparar esses materiais para os objetivos que ele se dispõe a atingir com os alunos.

É importante a participação dos estudantes em feiras de ciências ou outros eventos?

– Extremamente relevante e importante, desde que esses eventos sejam muito bem organizados e que os participantes não sintam que estão perdendo tempo. Os eventos devem ter objetivos claros para os envolvidos na organização e na preparação das atividades a serem mostradas para o público em geral. Assim como ao preparar uma visita a um museu, o professor deve montar um roteiro de visitação de acordo com seu objetivo dentro da programação mais ampla do seu trabalho anual. Não basta levar os alunos ao museu. É preciso pensar mecanismos de usar as informações veiculadas nesse ambiente e transformá-las em conhecimentos das ciências (caso seja museu de ciências), articuladas com a programação anual do professor. Como avaliar se a visita contribuiu para a formação dos alunos? Não basta uma pesquisa de opinião: “Você gostou da visita ao museu?” É preciso articular a visita com os conteúdos desenvolvidos em sala de aula.

É importante o uso de tecnologias de comunicação e informação (TIC) nas aulas de física? Como elas podem ser aproveitadas?

– Considero importante, desde que elas sejam usadas para trabalhar os conteúdos da programação dos professores. Como elas devem ser usadas depende do grau de autonomia do professor. É ele quem deve estruturar atividades de ensino de acordo com o que pretende ensinar.

De alguma forma, sua experiência como professora da educação básica é usada em suas aulas com futuros professores de física?

– Sim. Meu início na docência foi na educação básica (ensino fundamental e médio). É claro que não comparo, já que são épocas diferentes, mas a experiência de lidar com pré-adolescentes e adolescentes é muito rica, pois os alunos estão em uma fase de afirmação da personalidade. Dessa forma, torna-se um desafio para os professores ensinar para essa faixa etária, assim como é um desafio para os pais lidar com seus filhos adolescentes. Daí a importância de ter disciplinas como psicologia da educação nos cursos de licenciatura. Não nos dá receitas de como lidar com os alunos, mas nos dá elementos para conhecer essa fase da vida que todos passamos por ela.

Professores de física do ensino médio devem participar de oficinas ou cursos de formação continuada? Qual o papel que a academia deve ter nessas atividades?

– É importante e necessário. A profissão docente exige uma formação permanente. Deveria haver mais interação entre escolas de educação básica e universidades. O papel da academia deveria ser de parceira das escolas, pois somos todos profissionais da educação, somos colegas. As parcerias deveriam instituir-se por longos períodos de tempo. Cursos de curta duração pouco impacto têm sobre mudanças em práticas docentes. Nesse sentido, as instituições parceiras deveriam indicar as necessidades formativas das pessoas envolvidas para então estruturar atividades permanentes de formação. Essas atividades poderiam ocorrer nas escolas e nas universidades, de acordo com os acertos do grupo. Em nossa atuação como orientadores de estágio supervisionado, procuramos estabelecer grupos de trabalho nas escolas. Os professores regentes, que recebem os alunos em formação inicial, mantêm reuniões semanais de acompanhamento e análise das atividades desenvolvidas em sala de aula.

É possível estimular o surgimento de vocações científicas a partir das escolas de educação básica? De que maneira?

– Sim. Sempre. A porta de entrada são os professores. Se eles se mostram entusiasmados com a disciplina com a qual estão trabalhando, os alunos percebem essa atitude e isso se propaga como uma onda. É claro que há alunos que não necessariamente vão trabalhar com ciências no futuro, mas pelo menos não ficariam com aquela sensação de que a física só tem fórmulas muito chatas e totalmente incompreensíveis. A organização de feiras de ciências, participação em olimpíadas, em projetos de parceria com as universidades e visitas a museus são apenas exemplos de algumas iniciativas. Mas, novamente, o professor precisa ter tempo para preparar essas atividades. E ser remunerado por isso. É uma forma de valorização dos profissionais que estão comprometidos com a aprendizagem de seus alunos.

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