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Edição 99 - Física no Ensino Médio
04/04/2014
 
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“Saímos de coadjuvantes para players no cenário das olimpíadas internacionais”, diz coordenador nacional da OBF

"A capacidade intelectual nossa é a mesma de qualquer país do mundo", garante o prof. Euclydes

Autor: Arquivo pessoal


Coordenador nacional da Olimpíada Brasileira de Física (OBF) e coordenador da Olimpíada Brasileira de Física nas Escolas Públicas (Obfep) no estado de São Paulo, Euclydes Marega Júnior é professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos (SP), e professor visitante da University of Arkansas dos Estados Unidos. Bacharel em física e doutor em física básica, no campo de física atômica e molecular, ele exerce a função de líder da equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Física, desde 2003. Nesse período, ressalta, o nível de conhecimento dos participantes melhorou. “Saímos de coadjuvantes para players no cenário mundial das olimpíadas internacionais”, revela.

Na visão de Marega Júnior, os professores de física devem ser capacitados continuamente, principalmente nas áreas de ensino experimental e novas tecnologias, para que as aulas possam ser mais atraentes. Além disso, entende que a escola deva ter as condições mínimas para o desenvolvimento de outras atividades, tais como laboratórios de ciências, salas de informática e bibliotecas. “Isso não deve ser pensado apenas como um sonho, mas como objetivo a ser alcançado”, diz. “O ensino é uma atividade coletiva, todos têm responsabilidades para que este venha a ser de qualidade: governo, professores, alunos, pais e comunidade.”

Jornal do Professor A disciplina de física está entre as mais temidas pelos alunos do ensino médio. Por que isso ocorre?

Euclydes Marega Júnior – Física, química e biologia são as chamadas ciências naturais. Elas se desenvolveram, ao longo dos anos, a partir da experimentação e da intuição tornadas possíveis pelas evidências coletadas a partir da observação e do desenvolvimento do método cientifico. O que ocorre no ensino de hoje é o contrário: os alunos iniciam a aprendizagem através de conceitos já definidos. No caso da física, o ensino resume-se praticamente a decorar fórmulas. Elas são importantes, é claro, porém representam a formalização de uma evidência que foi observada e estudada. O ensino experimental de física e ciências no início da formação do estudante é o que falta em nosso sistema como um todo, tanto no ensino público quanto no particular. A iniciação científica a partir da experimentação é a forma de tornar o ensino mais interessante, além de fornecer ao aluno condições para que ele desenvolva habilidades criativas de caráter prático. Isso é muito importante para formar indivíduos que, no futuro, poderão ser profissionais inovadores em sua área de atuação.

O que os professores podem fazer para tornar as aulas de física mais atraentes para os alunos?

– Precisam ser capacitados continuamente, principalmente em ensino experimental e nas tecnologias novas que estão surgindo. Uma aula formal (lousa e giz) deveria ser apenas umas das atividades desenvolvidas pelos professores. Claro que, além da capacitação, a escola deve ter as condições mínimas para o desenvolvimento de outras atividades (laboratórios de ciências, salas de informática, bibliotecas). Isso não deve ser pensado apenas como um sonho, mas como objetivo a ser alcançado. É possível fazer. O ensino é uma atividade coletiva. Todos têm responsabilidades para que venha a ser de qualidade: governo, professores, alunos, pais e comunidade. Se um desses não desempenhar seu papel dentro do processo, mesmo que tenhamos a melhor infraestrutura do mundo não teremos cidadãos formados, mas meros coadjuvantes.

Muitas escolas não têm laboratórios de física. Que ferramentas ou materiais didáticos podem ser usados para que os alunos compreendam melhor os conteúdos de física? E quanto à utilização de tecnologias de comunicação e informação (TIC) nas aulas de física?

– Para um período de transição, é possível desenvolver atividades experimentais com materiais de baixo custo e recursos disponíveis, como celulares e smartphones, entre outros. Porém, há que se ter em mente que a infraestrutura das escolas não pode ser deixada de lado. Deve-se perseguir sempre o modelo de uma escola-padrão, com recursos que deem todas as oportunidades aos alunos.

As tecnologias da informação são necessárias e fazem parte do mundo de hoje. Na internet, há muito material a ser consultado e usado, como programas de simulação de movimentos e experimentos virtuais, entre outros. Nesse caso, o professor deve atuar como tutor, verificando se o material é de qualidade e não apresenta conceitos errados.

É possível estimular o surgimento de novas vocações científicas a partir das escolas de educação básica? Como?

– Sim. Nossos estudantes são fantásticos, e o que temos de fazer é somente dar a eles a oportunidade e todo o suporte para o desenvolvimento intelectual. Participo de olimpíadas internacionais de física há mais de dez anos e conheço estudantes de mais de 90 países que participam dessas competições. Posso garantir que a capacidade intelectual nossa é a mesma de qualquer país do mundo. Ao longo desses anos, saímos de coadjuvantes para players no cenário mundial das olimpíadas internacionais. Como? Trabalho, dedicação e paixão. Estimulando nossos estudantes, descobrindo talentos brutos para serem lapidados etc. Se descobrirmos um garoto em qualquer parte do país com talento e vontade para estudar física, podemos fazer com que ele se destaque numa competição internacional. Temos de parar de ter complexo de inferioridade e fazer o que deve ser feito. Parar de reclamar e juntar esforços. Educação é um processo coletivo.

É importante que os professores de física do ensino médio participem de oficinas ou cursos de formação continuada? Que papel deve ter a academia nessas atividades?

– Professores do ensino médio devem estar em constante contato com os docentes das universidades brasileiras para buscar a formação continuada e o aperfeiçoamento, o que não é possível no ambiente escolar. A universidade deve ser a geradora do conhecimento, mas esse conhecimento não pode ficar dentro das quatro paredes de um laboratório e ter impacto apenas para outros cientistas, na maioria de outros países. O conhecimento deve permear as paredes da academia e atingir professores e comunidade em geral. É importante que as universidades cumpram o seu papel integralmente: ensino, pesquisa e extensão. Não adianta ter ilhas de excelência num mar de mediocridade, e isso é responsabilidade nossa.

O Instituto de Física da USP em São Carlos vem trabalhando nessa direção, assim como muitas outras instituições de todo o país, com programas de visitas, capacitação de professores e alunos etc. Mas ainda é pouco. Se cada pesquisador em física das universidades brasileiras produzisse por ano algum tipo de material didático de divulgação – livros, vídeos, blogues científicos etc. –, teríamos muito material disponível para alunos e professores. Essa é uma atividade que demanda quase nada de recursos. O próprio Ministério da Educação, no Portal do Professor, tem toda uma plataforma desenvolvida para essa atividade. Além da física, outras áreas deveriam fazer o mesmo.

A Sociedade Brasileira de Física (SBF) realiza a Olimpíada Brasileira de Física (OBF) e a Olimpíada Brasileira de Física das Escolas Públicas (Obfep). Quais as semelhanças e diferenças entre os dois eventos?

– As duas olimpíadas são destinadas a alunos do ensino médio e técnico (até a quarta série) e para alunos do último ano do ensino fundamental (na Obfep, o nono ano; na OBF, o oitavo e o nono). Alunos abaixo do sétimo ano do ensino fundamental não têm conteúdo de física que justifique a composição de uma prova nos moldes em que a realizamos. Para esses alunos, seria interessante uma olimpíada que integrasse as ciências naturais (física, química e biologia). Essa integração é uma tendência mundial, mas deve ser realizada sem que haja perda da identidade dos diferentes tópicos.

Entre os objetivos comuns de ambas as olimpíadas estão os de despertar e estimular nos alunos do ensino fundamental e médio o interesse pela física e pela ciência em geral; proporcionar desafios intelectuais de ordem científica aos estudantes; identificar os estudantes talentosos em física, prepará-los para as olimpíadas internacionais e estimulá-los a seguir carreiras científico-tecnológicas; motivar professores e estudantes para o estudo e aprendizagem da física; desenvolver nos estudantes habilidades exigidas para pesquisa na área de física; proporcionar atividades de atualização para professores, com novas tecnologias de ensino, bem como proporcionar o desenvolvimento de metodologias de ensino, tanto na área experimental quanto na de simulações e na análise e resolução de problemas; aproximar o pesquisador da universidade dos professores e estudantes do ensino médio e fundamental.

A OBF é realizada pela SBF desde 1999. Ao longo desses anos, foi possível observar que há talentos espalhados por todo o território nacional. Grande parte dos talentos que surgem do ensino público migra para o ensino público federal e ou para o ensino privado, com a manutenção via bolsas de estudos custeadas pelas próprias instituições. Há sem dúvida muitos alunos talentosos em todo o Brasil nas escolas públicas estaduais e municipais. No entanto, devido à conjuntura, muitos não têm a oportunidade de ser descobertos. A Obfep tem como objetivo descobrir esses jovens nos mais distantes municípios e oferecer a oportunidade de avanço até o nível de competições internacionais.

Quais os benefícios que as duas olimpíadas oferecem a estudantes e professores, de maneira geral?

– As atividades propostas pelas olimpíadas têm como objetivo mostrar uma forma diferente de apresentação do conteúdo da física no ensino formal. Por mais esforços que venham sendo empregados, a física ainda é entendida pelos estudantes como uma disciplina em que o mais importante é decorar fórmulas. A representação matemática de modelos físicos é importante, mas o entendimento de como esses modelos são criados é a chave para que o estudante compreenda suas aplicações no dia a dia. Um exemplo é o caso telefonia celular. Por que 4G é melhor que 3G? Por que 3 é maior que 4? Por que, nos smartphones, quando se gira a tela, ele se ajusta tendo como referência o nível do solo? São tecnologias que estão no dia a dia, baseadas em princípios físicos muito simples, mas que não são compreendidos pela maioria dos estudantes e pela população em geral, consumidores dessas tecnologias.

Essa visão também leva o professor a ser instigado pelos alunos e cria uma forma natural de deixá-lo atento a conteúdos que não constam do currículo formal da disciplina. Os materiais produzidos ao longo desses anos compõem uma fonte para que professores venham a utilizá-los nas aulas. Em breve, teremos vídeos também.

Como tem sido a adesão das escolas às olimpíadas?

– As escolas têm participado ativamente ao longo dos anos. Na OBF, atingimos um número estável de participações, em torno de 600 mil alunos de 4 mil escolas nos últimos anos. Na Obfep, o número fica em torno de 1 milhão em cinco mil escolas.

Como líder da equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Física desde 2003, é possível observar alguma melhora no nível de conhecimento dos participantes brasileiros nesse período?

– Melhoramos muito. Na primeira participação do Brasil no International Physics Olympiad (Ipho), em 2000, nenhuma medalha foi conquistada. Em 2012, o Brasil obteve uma medalha de ouro e três de bronze. Em 2013, uma medalha de prata e quatro de bronze.

Na Olimpíada Ibero-Americana de Física, em 2000, o Brasil obteve três menções honrosas. Em 2013, duas medalhas de ouro e duas de prata.

A SBF oferece algum tipo de apoio aos professores de física do ensino médio, principalmente de escolas públicas, na preparação dos estudantes para as olimpíadas?

A SBF acaba de criar um curso de mestrado profissionalizante para professores de física. Há também outro evento para aperfeiçoamento de professores que participam das olimpíadas. Ambos são programas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do MEC.

Como estão os planos de criação da Olimpíada Brasileira de Ciências das Escolas Públicas?

– A primeira edição da Olimpíada Brasileira de Ciências das Escolas Públicas (Obcep) está prevista para 2015. Ainda em planejamento, ela pretende integrar, num primeiro momento, as disciplinas de física e de química, porém com identidades próprias. A iniciativa, coordenada pelo MEC, constitui-se em um programa permanente da SBF e da Associação Brasileira de Química (ABQ).

Alguns dos objetivos da olimpíada são despertar e estimular o interesse pelo estudo das ciências naturais; aproximar as instituições de educação superior, os institutos de pesquisa e sociedades científicas das escolas públicas; identificar estudantes talentosos e incentivar seu ingresso nas áreas científicas e tecnológicas; promover a inclusão social por meio da difusão do conhecimento.

 

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